De acordo com a revista The Lancet, o governo federal australiano implementou uma medida controversa para tentar proteger crianças e adolescentes no ambiente digital, proibindo o acesso de menores de 16 anos a contas de redes sociais.
A alteração na Lei de Segurança Online, aprovada em 29 de novembro de 2024, exige que as plataformas digitais tomem “medidas razoáveis” para garantir o cumprimento da regra, sob pena de multas que podem atingir AUD$50 milhões por não conformidade.
O primeiro-ministro Anthony Albanese justificou a decisão afirmando que o objetivo é mitigar os danos causados pelas mídias sociais aos jovens, visando “devolver a infância às crianças e a tranquilidade aos pais”. A proibição está prevista para entrar em vigor até o final de 2025.
Campanhas e investigações sustentam a medida
A decisão governamental foi influenciada por diversos fatores, incluindo uma investigação parlamentar e intensas campanhas midiáticas.
Em maio de 2024, um Comitê Seleto Parlamentar Conjunto foi estabelecido para examinar os impactos das redes sociais na população australiana. No mesmo período, campanhas lideradas por uma empresa de mídia e um movimento social paralelo defenderam o aumento da idade mínima para 16 anos, correlacionando o uso de redes sociais ao aumento de problemas de saúde mental entre adolescentes.
Essas campanhas conquistaram apoio expressivo, incluindo o de pais, políticos, educadores, clínicos e mais de 127 mil signatários de petições. A medida recebeu apoio bipartidário no parlamento e, em novembro de 2024, uma pesquisa indicou que 77% dos australianos apoiavam a proibição.
No entanto, a tramitação legislativa foi acelerada, com pouca oportunidade para consulta pública, apesar do relatório do Comitê Parlamentar não ter recomendado especificamente um banimento por idade. Preocupações parentais, exacerbadas pelas campanhas na mídia, foram centrais para a aprovação da lei. Segundo o eSafety Commissioner, 95% dos cuidadores australianos consideram a segurança online um desafio significativo na criação dos filhos.
Desafios na implementação e críticas à medida
A responsabilidade pela aplicação da proibição recai sobre as plataformas de redes sociais, e não diretamente sobre pais ou crianças. Contudo, a eficácia dessa aplicação ainda é incerta, levantando preocupações sobre privacidade.
A verificação de idade por autodeclaração tem se mostrado pouco confiável, com 84% das crianças australianas entre 8 e 12 anos já utilizando redes sociais, mesmo com a idade mínima anterior sendo 13 anos.
Experiências internacionais com banimentos em mídias e jogos online em países como China, Coreia do Sul e França demonstram que crianças frequentemente contornam as restrições usando ferramentas como redes privadas virtuais (VPNs).
Alternativas tecnológicas estão sendo exploradas. O governo australiano investiu AUD$6,5 milhões em um estudo para testar tecnologias de verificação de idade online, avaliando sua eficácia, viabilidade e implicações de privacidade. Contudo, o uso dessas tecnologias levanta questões éticas importantes, como o acesso a dados sensíveis (documentos de identidade, reconhecimento facial), o consentimento de crianças e possíveis desvantagens para grupos específicos.
O impacto amplo do banimento na saúde mental e no tempo total de tela permanece incerto. Pesquisas indicam que proibir redes sociais provavelmente não diminuirá o tempo geral de tela. O tempo gasto em redes sociais (cerca de 2,5 horas diárias em média para usuários) parece substituir ou se somar a outras atividades digitais, como TV ou jogos, em vez de substituir interações presenciais. Com a proibição, crianças podem simplesmente migrar para outras plataformas não abrangidas, como jogos online, aplicativos de mensagens ou YouTube.
A relação entre redes sociais e saúde mental é complexa, apresentando tanto riscos quanto benefícios. A ausência de acesso a contas próprias pode reduzir a exposição a cyberbullying (que afeta 11% dos jovens) e assédio sexual online indesejado (também 11%), ambos associados a riscos aumentados de depressão, automutilação e comportamento suicida.
O banimento também pode limitar o contato com conteúdo prejudicial e comunidades que promovem distúrbios alimentares ou ideais de beleza irreais. No entanto, riscos semelhantes existem em plataformas não cobertas, como sites de jogos e YouTube, e mesmo em plataformas que permitem navegação sem conta (como TikTok).
Críticos argumentam que a medida pode empurrar os jovens para espaços online menos regulados ou desencorajá-los a reportar experiências negativas por medo de punição.
Fonte: O Antagonista