Talvez você não se lembre, mas no século passado uma brasileira venceu o Oscar de melhor atriz. Seu nome é Fernando Torres. Na campanha para o prêmio, sua grande rival foi Karla Sofía Gascón, protagonista de “Emília Perez”. Era a favorita, até que levantaram a capivara de seu X e seus preconceitos foram revelados. O cancelamento, essa nossa entidade ignóbil, a atingiu e suas chances derreteram. Fizeram o mesmo com Robert Prevost. E o Papa Leão XVI saiu ileso.
Relembremos algumas barbaridades escritas por Gascón que, espanhola, deve votar na ultradireita do Vox com convicção. A morte de George Floyd fortaleceu o movimento Vidas Negras Importam e causou protestos em diversas cidades dos EUA e do mundo. A atriz escreveu: “Eu realmente acredito que muito poucas pessoas se importaram com George Floyd, um viciado em drogas e um traficante”
O preconceito contra os árabes na Espanha é caso para terapia de identidade nacional, já que parecem esquecer e esconder os séculos que os muçulmanos ocuparam – e desenvolveram – o sul do país. “O islamismo está virando um foco de infecção para a humanidade que precisa urgentemente ser curado”, ou “Me desculpem. É impressão minha ou há cada vez mais muçulmanos na Espanha? Toda vez que vou buscar minha filha na escola vejo mais e mais mulheres com o cabelo coberto e saias até os calcanhares. Talvez no próximo ano tenhamos que ensinar árabe em vez de inglês.”
Sem saber, cuspiu no prato que um dia gostaria de comer: “Cada vez mais, o Oscar parece uma cerimônia de filmes independentes ou de protesto. Não sabia se estava assistindo a um festival afro-coreano, uma apresentação do Black Lives Matter ou das feministas do 8M. Além disso, foi uma festa muito, muito feia” O menor problema ela criticar o Oscar, ainda mais porque a política de diversidade em Hollywood é tardia e similar às preocupações ambientais da Samarco. Mas com esse comentário, ela só venceria se Le Pen, Bolsonaro e Steve Bannon votassem na Academia.
Robert Provest faz parte da iniciativa da Igreja Católica de utilizar as redes sociais para disseminar sua fé, que foi impulsionada por Francisco. Seu primeiro tuíte foi há 14 anos e nesse período postou cerca de 400 mensagens e opinou sobre a pandemia, racismo, invasão da Ucrânia e, americano, fez críticas diretas ao trumpismo
A morte de George Floyd por exemplo mereceu o seguinte comentário: “Precisamos ouvir mais os líderes da Igreja, rechaçar o racismo e buscar justiça”. O papa encontrou-se hoje com o vice-presidente dos EUA, JD Vance, no Vaticano. Vance fez um convite formal para o pontífice visitar o país. Teve que engolir as críticas do cardeal Robert tuitadas em fevereiro deste ano.
Após uma declaração de Vance que afirmou que os cristãos devem, primeiramente, amar suas famílias, depois seus vizinhos, depois os membros da sua comunidade e seus compatriotas, Provest escreveu: JD Vance se engana: Jesus não nos pede que classifiquemos nosso amor pelos demais”. Recebeu muitas curtidas e foi taxado de woke.
A política de imigração de Trump recebeu as primeiras críticas em 2017, quando Prevost publicou um artigo que dizia que os Estados Unidos viviam “uma época obscura” de sua história, com a proibição de entrada de refugiados no país decretada por Trump. Em junho de 2018, retuitou do Cardeal Cupich: “não havia nada remotamente cristão, americano ou moralmente defensável em uma política que arranca crianças de seus pais e as mantém em gaiolas. Que isso esteja sendo feito em nosso nome é uma vergonha para todos nós”.
No cancelamento, a vigilância é total. Tudo para moldar o mundo com os valores de um grupo, no caso, o que defende as pautas identitárias. Traduz uma sociedade que valoriza a punição mais do que o diálogo. Não há espaço para incoerências. Por isso Provest passou no teste.