A psicóloga Mayara Massa, que é cadeirante, alega ter tido sua vida colocada em risco durante a apresentação do System of a Down no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, na última quarta-feira (14/5). Mayara tem osteogênese imperfeita, conhecida como a doença dos ossos de vidro.
O desabafo sobre os problemas na área PCD foi publicado em um vídeo nas redes sociais, que viralizou, e reuniu diversos comentários de outras pessoas com deficiência (PCDs) que também criticaram a organização do evento, realizada pela 30e.
“Enquanto pessoa com deficiência, eu nunca me senti tão desrespeitada quanto aconteceu no show do System of Down no Autódromo de Interlagos. Os meus direitos foram desrespeitados de diversas formas diferentes e a produção do show colocou a minha vida e a de outras pessoas que também estavam lá em risco”, falou Mayara no vídeo, chamando a ocasião de “show de horrores”.
No post, ela disse ter chegado com antecedência ao Autódromo e ter sido avisada que teria que esperar pelos carrinhos que levariam as pessoas com deficiência até a área PCD. Segundo a psicóloga, o primeiro carrinho teria chegado só às 21h15, sendo que a apresentação começou às 21h. Quando ela chegou ao show, por volta das 21h30, a banda já estava tocando a quinta música.
Ainda de acordo com o vídeo de Mayara, não havia espaço para o carrinho passar entre a pista. Além disso, ela só conseguiu sair do autódromo à 1h30 da madrugada, mesmo o show tendo acabado às 23h30, porque o carrinho só foi buscar as pessoas com deficiência duas horas após o término da apresentação. Além disso, no carrinho não havia trava para prender a cadeira de rodas.
Área PCD lotada
Outro ponto levantado na publicação de Mayara foi que a área destinada às pessoas com deficiência estava lotada, tendo sido tomada por pessoas sem deficiência, que ficaram em pé no espaço.
“Chegou um momento de eu pedir para o bombeiro me tirar daquele lugar. De eu falar: ‘olha, eu nem quero assistir o show em um lugar melhor, eu só quero sair daqui, eu só quero ir embora, porque eu estou em risco’”, contou a psicóloga no vídeo.
Em entrevista ao Metrópoles, ela relembrou que, na hora em que chegou na área PCD, muitas pessoas com deficiência estavam sendo barradas de entrar porque “pessoas sem deficiência entraram e eles [a organização] não estavam conseguindo tirar essas pessoas de lá”.
“Para chegar até lá estava impossível, porque estava extremamente cheio, extremamente lotado, era um show, então estava todo mundo pulando, empurra, empurra. E aí os próprios bombeiros começaram a ficar com medo de me levar até lá na frente, e eles estavam gritando, pedindo por favor para as pessoas tomarem cuidado”, disse.
Outra fã, a bartender Potira Ferreira Lima, de 37 anos, que tem autismo e levou seu laudo ao show, também relatou que a área PCD estava cheia e, para ela, era pequena demais para comportar o evento. Ao Metrópoles, ela falou que, no espaço, havia apenas uma rampa lateral, que funcionava como entrada e saída do ambiente, e, a parte da frente, que seria para mobilidade, foi preenchida pelas cadeiras de rodas. Uma fileira de cadeiras de plástico foi colocada atrás da fileira de cadeirantes.
“Se você tem 100 ingressos PCD, obviamente o seu espaço vai ter que ser para, pelo menos, 200 pessoas, que é a pessoa mais o acompanhante”, avaliou a fã, que também já trabalhou com eventos.
Como Potira chegou cedo ao local, viu enquanto o espaço foi enchendo de gente. Segundo ela, a regra era que a pessoa com deficiência tinha que ficar sentada na cadeira de plástico e o acompanhante em pé, ao fundo. Só que, com a lotação, esse espaço que seria a entrada e saída do ambiente foi tapado.
“Eles queriam estacionar as cadeiras de roda e deixar a pessoa lá, a pelo menos 15 metros do acompanhante. Eu vi uma cadeirante sair chorando, ela não ficou nem cinco minutos lá, frustrando totalmente a experiência […] Quando começou a encher, obviamente, os acompanhantes foram para perto das pessoas que estavam juntos. Uma menina teve um ataque epilético, porque ela passou muito nervoso, queriam que ela ficasse sentada o tempo todo e ela levantava. Tinha um outro menininho, também um adolescente, que ficava pulando o tempo todo. Precisa de alguém perto, entendeu? Não tem como deixar a pessoa separada. Existem algumas deficiências que você precisa realmente ter uma pessoa”, explicou a bartender.
A mãe Sandra Dente, acompanhante de seu filho Giulianno Dente, portador de mielomeningocele, que é deambulante e faz uso de muletas canadenses, relatou ao Metrópoles que a experiência no show do System of a Down no Autódromo de Interlagos foi “só derrota, uma humilhação atrás da outra”.
Ela e o filho também foram obrigados a aguardar para serem conduzidos à área PCD pelo carrinho. Segundo Sandra, “sempre ia um cadeirante em cada carrinho mais 4 ou 5 pessoas e os carrinhos demoravam muito para retornar”. Apertada para fazer xixi, já que tinha saído de Jundiaí, no interior de São Paulo, às 17h, ela pediu para usar o banheiro, sendo avisada que não havia nenhum na entrada, só lá embaixo.
Em determinado momento, foram avisar à eles que um dos carrinhos tinha furado o pneu. “Eu desci a pé com meu filho e um bombeiro, outro bombeiro também levou uma moça que estava com o pé machucado na cadeira de rodas. Ambos não sabiam onde ficava a área PCD e o bombeiro que acompanhava eu e meu filho, nos largou no caos e sumiu. Meu filho quase caiu no meio da multidão e quando eu fui segurar ele me urinei nas calças de nervoso e porque já estava segurando desde que saí de Jundiaí”, contou Sandra.
Ao chegarem no espaço PCD, eles foram impedidos de entrar. “Fiquei tão nervosa que comecei chorar e tremer, pois o direito dele foi jogado no lixo”, lamentou a mãe.
O bombeiro acabou ajudando os dois e a entrada deles foi liberada. Eles foram colocados em uma passagem que ficava entre o palco e a área VIP, onde as pessoas ficavam passando e, segundo Sandra, Giulianno quase caiu mais uma vez. Para sair do autódromo, a experiência também foi traumática já que não havia nenhuma equipe de apoio, bombeiro ou cadeira de rodas para auxiliar o público PCD. “Nunca me senti tão impotente, humilhada, insultada e molhada”, falou.
O Metrópoles procurou a Eventim e a 30e, que organizaram o evento, para um posicionamento sobre os relatos, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto.