A operação Retomada, do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público da Paraíba, investiga um juiz responsável por uma decisão relâmpago em favor do grupo criminoso investigado.
De acordo com documentos da investigação, o juiz Glauco Coutinho Marques, da comarca de Gurinhém, levou apenas 16 minutos para decidir em um caso sobre consignado que envolvia o grupo investigado.
O magistrado é um dos investigados na operação. Documentos da operação obtidos pela coluna mostra como o grupo atuava junto ao Judiciário para conseguir decisões favoráveis. Segundo o MP da Paraíba, eles se valiam da prática chamada de “fórum shopping”, quando se escolhe a juízo para entrar com a ação de modo a conseguir uma decisão favorável.
Como mostrou a coluna, a investigação mira 11 associações e entidades que moveram 230 ações coletivas na Paraíba. No total, cerca de 100 mil aposentados e pensionistas em todo país foram atingidos e os descontos ilegais somam R$ 126 milhões.
A investigação cita pelo menos um exemplo em que a velocidade com a questão foi decidida pode ser um indício de fraude, já que se passaram apenas 16 minutos entre a petição inicial (protocolada em um sábado) e a decisão.
“Em alguns casos, aliás, tamanha foi a velocidade no curso do processo que, entre o protocolo inicial e o julgamento, passaram-se apenas poucos minutos, como ocorreu com o processo nº 0800888-50.2024.8.15.0761, em que a petição inicial foi aviada às 11h10 do dia 08 de junho de 2024 (um sábado) e a sentença foi prolatada às 11h26 do mesmo dia”, diz um dos documentos da apuração.
Em outro episódio, os investigadores detalham o caso de uma entidade, sediada em Mato Grosso e que em 19 de julho de 2023 determinou a criação de uma filiam em Gurinhém -distante mais de 3 mil quilômetros do seu polo central.
No mesmo dia, a nova sucursal teria dado entrada em ação revisional de contrato com repetição de indébito contra 21 instituições financeiras em nome de servidores da Marinha do Brasil, do Senado Federal, do estado de Goiás e do Tribunal Superior do Trabalho, nenhum dos quais morador da Paraíba.
Poucos dias depois, em 24 de julho de 2023, o juiz deferiu na íntegra o pedido de tutela provisória. Segundo narrado pelas autoridade, ele teria descido, no corpo da decisão, ” a um nível incomum de detalhamento para o respectivo cumprimento”.
“Na sequência, no intervalo de poucos minutos do lançamento da medida na plataforma do PJe, para executá-la de pronto, houve larga sucessão de atos cartorários”, diz a decisão.
Outro caso citado na operação é o de uma entidade que possui sede em dois endereços em João Pessoa. Contudo, não foi identificada “qualquer sinal de funcionamento da pessoa jurídica” nos locais citados.
Essa instituição, diz a operação, “propôs diversos pedidos de homologação de acordos extrajudiciais na comarca em que oficiava Dr. Glauco Coutinho Marques, também em aparente fórum shopping. Com efeito, a promotoria de justiça encontrou, inicialmente, 09 (nove) demandas ajuizadas inexplicavelmente naquele foro”.
De acordo com a CGU, decisões judiciais manipuladas na comarca de Gurinhém, na Paraíba, promoviam diversas modalidades de irregularidades.
Uma delas, era a “suspensão dos descontos referentes a empréstimos consignados já efetivados em contracheques de servidores, aposentados e pensionistas”. Dessa forma, era liberada a margem para novos empréstimos consignados feitos por meio das associações fictícias.
O grupo também usava as decisões judiciais para excluir o registro negativo nos cadastros de proteção ao crédito como o Serasa, liberando a obtenção de mais empréstimos.
Segundo a investigação, agentes públicos e privados, entre eles um servidor do Poder Judiciário na Paraíba e advogados, fraudavam o registro de sócios em associações de fachada para ajuizar ações coletivas em Varas da Justiça específicas que davam decisões favoráveis ao grupo.
“Identificou-se a prática sistemática de fraudes envolvendo empréstimos ofertados a idosos, por meio de associações fictícias que, sob o disfarce de contribuições associativas, operavam como instituições financeiras informais, à margem da regulação do Banco Central e das normas de proteção ao consumidor”, diz o Gaeco.
Segundo a investigação, duas questões principais chamam atenção na tramitação desses processos: a celeridade no andamento e a “sonegação” proposital da vigilância da Promotoria de Justiça da comarca em casos envolvendo idosos.
Defesas
A coluna procurou o juiz, que indicou seu advogado. Procurado, o defensor disse que daria o retorno sobre o tema, mas ainda não respondeu. O espaço está aberto para manifestação.