Apuração de fraude contra aposentados mira juiz e “fórum shopping”

Uma apuração conduzida pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público da Paraíba sobre descontos indevidos de aposentados mostra que integrantes da suposta organização criminosa utilizavam um “fórum shopping” para fraudar processos judiciais.

A prática se refere à escolha estratégica de um juiz ou Vara específica para julgar com o objetivo de obter uma decisão favorável. No caso da Paraíba, o grupo utilizava a Vara na cidade de Gurinhém, a cerca de 70 Km da capital João Pessoa.

O juiz responsável pela Vara é Glauco Coutinho Marques, alvo da investigação.

Ao menos 11 associações ou entidades, que moveram 230 ações coletivas na Paraíba, são investigadas pela apuração que, na sexta-feira (16/5), teve a 2ª fase deflagrada. A ação foi batizada de Retomada e apura o caso de 100 mil aposentados e pensionistas em todo país que foram atingidos por descontos ilegais que somam R$ 126 milhões.

Segundo as apurações, o grupo fraudava o registro de aposentados em associações de fachada para ajuizar ações coletivas em Varas da Justiça específicas que davam decisões favoráveis ao grupo. A investigação aponta para a participação de agentes públicos e privados, entre eles um juiz, um servidor do Poder Judiciário na Paraíba e advogados.

“Tudo isso [as atividades da organização criminosa] se dá, insiste o Gaeco, mediante a distribuição direcionada de uma pluralidade de ações judiciais multitudinárias em foro injustificável (‘fórum shopping’)”, diz trecho de documento da apuração.

De acordo com a investigação, as decisões judiciais manipuladas na comarca de Gurinhém promoviam diversas modalidades de irregularidades.

Uma delas, era a “suspensão dos descontos referentes a empréstimos consignados já efetivados em contracheques de servidores, aposentados e pensionistas”. Dessa forma, era liberada a margem para novos empréstimos consignados feitos por meio das associações fictícias.

Sede da CGU, em Brasília concurso
Fachada da sede da Controladoria Geral da União

O grupo também usava as decisões judiciais para excluir o registro negativo nos cadastros de proteção ao crédito como o Serasa, liberando a obtenção de mais empréstimos.

Segundo a investigação, uma das entidades que está na mira das autoridades possui sede em dois endereços em João Pessoa. Contudo, não foi identificada “qualquer sinal de funcionamento da pessoa jurídica” nos locais citados.

Essa instituição, diz a operação, “propôs diversos pedidos de homologação de acordos extrajudiciais na comarca em que oficiava Dr. Glauco Coutinho Marques, também em aparente fórum shopping. Com efeito, a promotoria de justiça encontrou, inicialmente, 09 (nove) demandas ajuizadas inexplicavelmente naquele foro”.

Um dos pontos levantados pela investigação, que revela indícios de fraude nos processos, é a celeridade com que alguns processos recebiam sentenças favoráveis. De acordo com documentos da operação obtidos pela coluna, um dos casos analisados mostra que o juiz investigado deu uma decisão em cerca de 16 minutos para favorecer investigados.

“[…] a celeridade extrema no andamento dos feitos, com sentenças proferidas poucas horas depois do ingresso em juízo. Em alguns casos, aliás, tamanha foi a velocidade no curso do processo que, entre o protocolo inicial e o julgamento, passaram-se apenas poucos minutos, como ocorreu com o processo, em que a petição inicial foi aviada às 11h10 do dia 08 de junho de 2024 (um sábado) e a sentença foi prolatada às 11h26 do mesmo dia”, diz um documento a investigação.

Os indícios das fraudes também contemplam uma série de diálogos envolvendo advogados investigados. Segundo a decisão que autorizou a 2ª fase da operação, as mensagens “robustecem a narrativa inicial”.

Em uma das ocasiões citadas, em 15 de fevereiro de 2023, um dos advogados diz ao outro que Hilton Neto, apontado como principal articulador do esquema por manter relação próxima com o juiz Glauco, “faz a ponte de Gurinhém” e “está conosco”.

Em outro diálogo, de maio do mesmo ano, um dos advogados fala a outro investigado que precisaria que o “juiz de Gurinhém” despache sobre um dos casos levados ao tribunal. E pergunta: “com quem posso despachar sobre isso”?

Ao que recebe como resposta que “Gurinhém é com o Hilton”.

Hilton Neto também é citado na operação em uma transação com o então assessor do juiz. Ele teria pago R$ 14 mil para “quitar débito contraído pelo magistrado com o mesmo servidor”.

O ato, contudo, aponta a investigação, não foi um fato isolado. Outros servidores do foro de Gurinhém foram ouvidos pelo Ministério Público no curso das apurações, e um deles chegou a afirmar que entregou um cartão de crédito pessoal ao juiz Glauco.

O cartão, diz a decisão, foi encontrado no imóvel do juiz durante o cumprimento de uma ação de busca e apreensão.

A coluna procurou o juiz, que indicou seu advogado. Procurado, o defensor disse que daria o retorno sobre o tema, mas ainda não respondeu. O espaço está aberto para manifestação

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