Rio de Janeiro – Prima Facie volta aos palcos cariocas cutucando as entranhas de um sistema judicial que ainda fecha os olhos para vítimas de violência sexual. A peça, escrita pela australiana Suzie Miller, é um fenômeno global e retorna ao Teatro Clara Nunes, na Gávea, entre os dias 27 de junho e 20 de julho, após temporada lotada em 2024.
O monólogo protagonizado por Débora Falabella transformou-se num verdadeiro libelo contra o machismo togado.
Na pele da advogada Tessa, Falabella conduz o público por um tribunal onde os códigos penais não bastam para proteger quem mais precisa. A personagem, criada por Miller — ex-promotora e ativista de direitos humanos —, confronta suas próprias crenças após vivenciar, na pele, as falhas de um sistema legal que muitas vezes absolve estupradores e criminaliza sobreviventes.
A farsa da neutralidade jurídica
A narrativa de Prima Facie joga luz sobre um Judiciário que, sob a máscara da imparcialidade, perpetua desigualdades brutais. A protagonista, vinda da periferia e consagrada como criminalista de elite, precisa rever tudo quando se torna vítima da mesma violência que costumava relativizar nos tribunais. O texto é um soco no estômago de quem ainda acha que a lei é cega — e um alívio para quem grita há anos por justiça de verdade.
A montagem brasileira, dirigida por Yara de Novaes, não suaviza os conflitos. Ao contrário: expõe, com coragem, como o discurso técnico do direito serve muitas vezes para encobrir o machismo estrutural. Não à toa, sessões no Rio de Janeiro e em Brasília, no ano passado, terminaram em debates acalorados com juristas e ativistas. Em uma delas, participaram Cármen Lúcia, Ayres Britto e Raquel Dodge, três nomes do alto escalão jurídico — que ouviram calados o grito que ecoa da boca de Tessa.
Uma peça que virou caso diplomático
Não é exagero dizer que Prima Facie ultrapassou os palcos e virou pauta de Estado. A peça já foi montada em Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Nova Zelândia, Turquia, entre outros. Em 2024, Suzie Miller foi chamada à ONU para debater mudanças na legislação sobre abuso sexual. Sua obra, baseada em dados e experiência prática, está inspirando reformas legais e confrontando a cultura da desconfiança às vítimas.
Débora Falabella em solo provocador
A atriz Débora Falabella, em seu primeiro solo teatral, entrega uma performance que transita entre o rigor técnico e o desespero íntimo. Sem adereços, ela sustenta o espetáculo apenas com voz, corpo e olhar — e convence com uma intensidade que beira o insuportável. A cada novo depoimento da personagem, o público é forçado a se questionar: quantas Tessas foram silenciadas por um Judiciário cúmplice?
Não há alívio, nem catarse. O que há é denúncia. E coragem.
O Carioca esclarece
O que é Prima Facie?
É uma peça escrita por Suzie Miller sobre uma advogada que, ao ser vítima de estupro, precisa rever suas convicções jurídicas e morais.
Por que a peça gerou tanto debate?
Por expor como o sistema judiciário, mesmo em países democráticos, ainda protege agressores e descredibiliza vítimas de violência sexual.
Quais as consequências sociais da peça?
Além do impacto emocional no público, Prima Facie inspirou debates parlamentares e foi levada à ONU como exemplo de obra que fomenta mudanças legislativas.
Como isso afeta os direitos das mulheres?
A peça denuncia com clareza como o machismo institucional dificulta o acesso das mulheres à justiça, estimulando a impunidade e o silêncio.