Exposição denuncia racismo nas ruas e nos museus

Rio de Janeiro – Entre a Gamboa e a história falsificada, um grito visual rasga os muros do apagamento

“Nossas Vidas Importam” não é só o nome de uma exposição. É uma provocação direta ao racismo estrutural, à farsa da neutralidade museológica e à covardia institucional que insiste em enterrar a memória negra sob camadas de verniz colonial. Em cartaz de 23 de maio a 24 de junho no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), na Gamboa, a mostra ocupa a Sala Mercedes Baptista com mais de 30 imagens documentais em formatos diversos — lambe-lambes, ampliações e oficinas. Tudo gratuito. Tudo insurgente.

Idealizada por fotógrafos do Coletivo Amendoeira — grupo de comunicação popular formado por artistas negros e periféricos — a exposição recusa o conforto da estética decorativa e abraça a potência política da rua. A metáfora central? A encruzilhada: esse espaço urbano onde vidas negras cruzam-se entre resistência, invisibilidade e violência.

Imagens que atravessam o silêncio branco

Enquanto curadores brancos seguem endeusando olhares estrangeiros ou elitistas sobre “a favela”, essa mostra revira o jogo. A curadoria geral de Hiago de Farias, com apoio de Jéssica Rodrigues e Vinícius Ribeiro, evidencia a urgência de uma história visual feita por quem vive o que retrata.

Entre os nomes, destacam-se Alice Machado, Rodrigo Matos, Rafael Daguerre, Ratão Diniz, Kaolin Maxakali, entre outros. Todos compartilham o compromisso de transformar suas lentes em espelhos da resistência negra, onde cada registro é uma recusa ao apagamento — e um soco na política genocida que transforma corpos negros em alvo, estatística ou objeto exótico.

Arte como território de disputa

A proposta da exposição não é decorar paredes: é rasgá-las. Cada fotografia tensiona os limites entre o retrato e o protesto, o gesto e a denúncia. São imagens que desorganizam o olhar domesticado, desmentem o mito da democracia racial e denunciam o Brasil real — aquele onde a polícia mata, a mídia silencia e o mercado da arte finge não ver.

Não por acaso, o espaço escolhido é o MUHCAB, museu cuja existência por si só já representa um enfrentamento. A sala leva o nome de Mercedes Baptista, pioneira da dança afro-brasileira e eterna silenciada pela branquitude da cultura oficial.

Resistir é ocupar, fotografar e transformar

O evento de abertura em 23 de maio terá apresentações culturais e um pocket show da cantora trans Azula. Além disso, haverá oficinas de fotografia com celular, com destaque para a atividade prática ministrada por Rodrigo Matos, acessível a qualquer pessoa interessada em transformar o cotidiano em instrumento político.

Também estão previstas rodas de conversa e debates, reforçando a ideia de que museu, quando negro, é lugar de formação, de troca e de afeto em estado de insubordinação.

“Trazer essa vida para dentro do museu é reduzir a distância entre quem é fotografado e quem fotografa”, afirma o curador Hiago de Farias. Missão cumprida.


O Carioca esclarece

O que é a exposição “Nossas Vidas Importam”?
É uma mostra coletiva com obras de fotógrafos negros e periféricos que denunciam, através da imagem documental, o racismo estrutural e a exclusão histórica dos corpos negros.

Por que a mostra é importante para a memória visual brasileira?
Porque ela rompe com o apagamento histórico, reposicionando os autores negros no centro da produção de imagens e narrativas.

Como a exposição se relaciona com o ativismo antirracista?
Através da ocupação simbólica do museu e do uso da fotografia como ferramenta política, educativa e de resistência territorial.

Quais as consequências de ignorar produções visuais negras?
A manutenção de uma memória coletiva distorcida, que perpetua o racismo institucional e reduz o papel da arte à estética despolitizada.

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