O tema é recorrente no Congresso Nacional: eleger presidente da República, 27 governadores, 5.570 prefeitos e 60 mil vereadores numa única eleição, que só ocorreria em um quinquênio, criando mandatos de 5 anos para todos os cargos eletivos, mantendo a reeleição para parlamentares (vereadores, deputados estaduais e federais), mas acabando com a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos. O eleitor passaria a escolher, de uma só vez, os ocupantes de sete cargos diferentes.
Pois é, esse projeto, de autoria do senador Jorge Cajuru (PSB-GO) e que tem como relator o senador Marcelo Castro (MDB-PI), acaba de receber endosso na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Se for aprovado pelo plenário do Senado e pela Câmara Federal, o projeto impactará fortemente nosso incipiente sistema democrático.
Este analista, associando-se a alguns especialistas que criticam a proposta, também o considera inoportuno, sobretudo, pelo fato de não ter passado pela lupa da sociedade. Modificações tão profundas no sistema eleitoral carecem de amplo debate, principalmente quando se trata de uma das alavancas da democracia.
Comecemos pelos argumentos do senador piauiense. Castro defende a ideia de que a unificação das eleições geraria economia aos cofres públicos por dois motivos: haveria menos gastos com a logística da votação e as campanhas seriam mais baratas, já que aconteceriam todas de uma vez. Alega ele que eleições a cada dois anos “acarretam altos custos administrativos e judiciais e comprometem a governabilidade, pois os gestores públicos passam a maior do tempo preocupados com o próximo pleito”.
Cita um possível ganho de “previsibilidade política”, de “estabilidade administrativa e governabilidade”, já que todo o quadro político seria definido em uma única data, com vigência para cinco anos.
O primeiro argumento do relator é o de natureza financeira. Haveria, segundo ele, menos gasto com a logística eleitoral. Ora, esquece que a gastança no país é quilometricamente maior em outros sugadouros. Os dutos da corrupção continuam abertos e jorrando recursos para obras inacabadas; projetos que não saem do papel; superfaturamento; propinas; recursos de emendas parlamentares que não chegam ao destino; roubalheira, como este caso escabroso de roubo no INSS, entre outras ilegalidades.
Ao alegar que os custos da logística das campanhas são muito altos, o senador Marcelo Castro deixa de ver outros fatores, como tempo maior de votação, mais urnas, mais escolas, mais profissionais, mais materiais, maior demanda da Justiça Eleitoral, cuja capacidade para atender 500 mil candidaturas está saturada.
As eleições custam caro. Os gastos nas eleições municipais de 2024 contaram com R$ 5 bilhões, valor aprovado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO). Coloque-se sobre esse montante “o dinheiro por fora” de doadores que patrocinam agências de marketing político e outros serviços; o gasto é bem maior. Uma campanha para governo em um dos Estados do Sudeste – SP, MG ou RJ -não custa menos que R$ 100 milhões.
Nos países democráticos, os custos de campanhas são altos. Veja-se o caso dos EUA. Na eleição de 2024, a mais cara da história, foi gasto um montante de US$ 15,9 bilhões (R$ 91,9 bilhões), resultante de contribuições, segundo cálculos da Agência France Press. Alguém poderá objetar: “mas a Nação norte-americana é a mais rica do mundo…Balela. Na vizinha Argentina, há um fundo público que, na última campanha, dispunha de 5,250 bilhões de pesos, o equivalente a R$ 75,6 milhões.
Voltemos ao projeto do senador Cajuru.
O maior motivo para rejeitar a unificação das eleições no nosso processo eleitoral é a “canibalização” do debate político. Por “canibalização”, deve-se entender a marginalização dos candidatos municipais, a perda de interesse por parte dos eleitores, que teriam de dividir sua atenção entre três eleições ao mesmo tempo – a federal, a estadual e a municipal. A votação simultânea faz com que o eleitor se confunda e dê mais atenção para os cargos em disputa que estão mais distantes de seu dia a dia. Ademais, a polarização entre candidatos presidenciais e candidatos aos governos estaduais dará o tom geral do pleito, arrefecendo a atenção do eleitorado para as campanhas municipais.
As eleições municipais são fundamentais para a consolidação de nossa democracia representativa. Por meio do voto, a população exerce o poder de moldar o futuro de suas comunidades, elegendo representantes comprometidos com suas necessidades.
Se mais candidatos disputarem o pleito, ao mesmo tempo, a briga pela atenção do eleitor será uma luta desgrenhada, significando mais gastos em áreas fundamentais, como serviços de cabos eleitorais (que seriam multiplicados), comitês de campanha, propaganda e marketing. Enfim, é irreal exigir que o eleitor dê nove votos para eleger, de uma só vez, representantes para cargos do sistema majoritário e para cargos do sistema proporcional: presidente da República, três senadores, governadores, deputados federais, prefeitos e vereadores.
O que pode ser feito para aperfeiçoar nosso sistema eleitoral? Mudar o que é contrassenso. A figura do suplente de senador, por exemplo. O suplente não tem voto, mas acaba ganhando um mandato para o qual não se elegeu. Ou seja, no Brasil há a figura do parlamentar sem voto, assunto que tem ganhado espaço, especialmente depois de escândalos que assolaram a instituição nos últimos anos.
Parece também contrassenso a extensão do mandato de deputados (de quatro para cinco anos), mantendo estes, porém, direito à reeleição. Por que somente deputados teriam tal direito?
Nota alvissareira: a proposta do texto substitutivo do senador Marcelo Castro só vigorará em 2034. Significa que muita água correrá por baixo da ponte.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor emérito da ECA-USP e consultor