O dilema do petróleo no Dia da Terra (por Marcos Magalhães)

O alerta veio na segunda-feira, quando se celebrava o Dia da Terra: ou o Brasil decide explorar novas jazidas, especialmente na Foz do Amazonas, ou terá de voltar a importar petróleo em um futuro não muito distante.

A inevitabilidade da escolha foi anunciada pelo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, durante o seminário Brasil Hoje, realizado em São Paulo. A queda da produção nacional, ao longo dos próximos anos, não deixaria alternativa.

“O Estado brasileiro tem duas opções: ou agora vai para novas fronteiras, (como) Margem Equatorial e Bacia de Pelotas, ou eu me submeto à situação de voltar gradualmente a importar petróleo”, disse Prates.

Na segunda opção, observou o presidente da empresa, os consumidores brasileiros passarão a pagar royalties aos governos de países como Suriname, Guiana, Angola, Nigéria e Mauritânia.

Os dois primeiros países citados já pesquisam ou produzem petróleo na mesma Margem Equatorial onde a Petrobras tem buscado – ainda sem sucesso – obter licença de pesquisa. Depois de recusa inicial, em maio de 2023, o pedido está sob análise mais uma vez do Ibama.

Segundo Prates, a Petrobras seria a única empresa do mundo capaz de realizar a pesquisa com a “máxima responsabilidade” do ponto de vista ambiental. E de manter, com novos campos, a autossuficiência obtida há 18 anos.

A liberação da pesquisa na Margem Equatorial conta com boa aceitação da opinião pública, segundo pesquisa feita para a CNN Brasil.

Para 36,3% dos entrevistados, a Petrobras poderia explorar petróleo na foz do Amazonas após realizar estudos de impacto. E 26,1% são favoráveis à produção sem condições.

Nos seis estados que integram a região da plataforma da Margem Equatorial (Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte), os números sobem para 47,7% e 29,5%. Ou seja, uma ampla maioria a favor da exploração.

As populações desses estados esperam ser beneficiadas pelos royalties e participações especiais sobre a produção de petróleo, assim como já tem ocorrido, por exemplo, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.

Por sua vez, a Petrobras continua de olho em toda a plataforma por acreditar que ela seja a última grande fronteira para a exploração de petróleo no país.

As palavras de Prates, portanto, guardam coerência com os anseios de desenvolvimento de uma região ainda pobre e com as necessidades de produção de sua própria empresa.

Não deixa de ser irônico, porém, que elas tenham sido pronunciadas em evento ocorrido justamente durante a celebração do Dia da Terra, data especial criada pela Organização das Nações Unidas para ampliar a consciência global a respeito da necessidade de busca de um mundo mais sustentável.

E há dois motivos para preocupação. O primeiro é o risco de vazamentos de petróleo, que poderiam atingir a costa do Amapá, plena de manguezais. O segundo é a manutenção da dependência em relação ao petróleo, quando o planeta corre para descarbonizar sua economia.

Conta a favor da Petrobras o histórico de produção segura de petróleo na plataforma continental. É preciso lembrar, no entanto, da dificuldade de acesso aos futuros poços, em caso de acidente.

Por esse motivo, especialmente, cabe mesmo ao Ibama exigir todas as salvaguardas possíveis para a perfuração de poços junto à foz do Amazonas.

O segundo motivo de preocupação está mais ligado ao próprio modelo de desenvolvimento a ser seguido pelo país. A necessidade de manter controlado o aquecimento do planeta tem desestimulado a abertura de novas fronteiras de produção de petróleo.

O tema divide o próprio governo brasileiro. A ala mais desenvolvimentista argumenta que os recursos do petróleo da Margem Equatorial poderiam financiar a transição em direção a uma economia mais descarbonizada.

Será? Quando foram descobertas as jazidas de águas profundas do pré-sal, elas chegaram a ser chamadas de “passaporte para o futuro” do país. Mas os efeitos sociais de royalties e participações sociais ficaram abaixo das perspectivas.

A possível autorização de pesquisa e de posterior produção de petróleo na região deveria vir acompanhada de um novo plano de desenvolvimento que descreva os caminhos a serem adotados para uma economia mais limpa.

De que forma, por exemplo, se poderia investir para tornar o Brasil líder na produção de hidrogênio verde, produzido a partir de fontes renováveis e capaz de substituir gradativamente o petróleo e o carvão no transporte e na indústria?

Os recursos da nova fronteira poderiam ser usados para ampliar a fabricação no país dos equipamentos necessários à ampliação da produção de energia a partir de fontes mais sustentáveis, como a solar e a eólica?

A adoção de um plano de segurança para a pesquisa das novas jazidas, que venha a ser aceito pelas autoridades ambientais, é apenas o primeiro passo para que possa vir a fazer sentido a produção de petróleo em região tão ambientalmente sensível.

Prates argumentou que o Estado brasileiro deverá tomar a decisão de levar ou não adiante os planos de produção de petróleo na Margem Equatorial. Pois caberá ao mesmo Estado informar à sociedade como pretende tornar compatível essa produção com a descarbonização da economia do país.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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