PM não comunica morte em ocorrência e irrita delegados: “Absurdo”

São Paulo — O registro sobre a morte de um homem de 70 anos durante uma perseguição policial no Tatuapé, na zona leste de São Paulo, é mais um capítulo das desavenças entre a Polícia Militar e a Polícia Civil do estado de São Paulo.

Clóvis Marcondes de Souza foi baleado a caminho de uma farmácia na tarde da última terça-feira (7/5). Ele chegou a receber atendimento médico, mas não resistiu ao ferimento. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, o homem foi atingido por um disparo acidental e não tinha relação com o caso.

Em vez de fazer um boletim de ocorrência sobre a morte na Polícia Civil, como é padrão, os PMs envolvidos na perseguição fizeram apenas um registro junto à Polícia Judiciária Militar. A SSP afirma que isso foi feito por se tratar “de um crime culposo, cometido por um policial militar em serviço”.

“Conforme previsto no Código Penal Militar, por se tratar de um crime culposo, cometido por um policial militar em serviço, o caso foi registrado junto à Polícia Judiciária Militar, que está à frente da investigação e confirmou a prisão em flagrante do responsável pelo disparo”, diz a pasta em nota.

Conforme revelado pela Folha e confirmado pelo Metrópoles, autoridades da Polícia Civil se irritaram com a justificativa. O entendimento é de que os policiais militares não têm autonomia para determinar se a morte ocorreu ou não de forma culposa.

“Inconstitucional”

“É um absurdo, claramente isso é inconstitucional”, disse um delegado da velha guarda da Polícia Civil da capital ao Metrópoles em reservado. “Não há discussão. Ainda que o registro sobre a morte seja feito junto à Polícia Militar, é preciso fazer um boletim de ocorrência”.

“Isso acontece em um contexto de tentativa de ampliar os poderes da Polícia Militar. No contexto de nós termos um capitão no comando da Secretaria da Segurança Pública”, complementa o delegado.

“Isso não existe”, disse um delegado da região metropolitana de São Paulo ao Metrópoles. “O policial mata e ele mesmo conclui que o tiro foi acidental? Nunca vi algo assim. Isso impossibilita a investigação, a instauração de inquérito por parte da Polícia Civil. Quem vai dizer se o disparo foi ou não acidental é o delegado, é a equipe de investigação.”

Em nota, a Ouvidoria da Polícia de São Paulo diz que está acompanhando o caso com “crescente preocupação” e que as abordagens policiais “tem apresentado uma escalada que compromete o bom trabalho de policiais comprometidos com a proteção das pessoas em nosso estado”.

Ampliação de poderes da PM

O registro da ocorrência junto à Polícia Militar acontece semanas após o Metrópoles revelar que a Secretaria da Segurança Pública trabalhava para dar à Polícia Militar o poder de investigar de realizar investigações sobre crimes de menor potencial ofensivo.

Uma ordem preparatória à qual o site teve acesso aponta que o governo pretendia instituir o Termo Circunstanciado Policial Militar (TC/PM), que dava margem para que PMs apreendessem provas e realizassem oitivas.

O plano da pasta irritou delegados e provocou uma crise na cúpula da Polícia Civil. O governo do estado acabou recuando e criou um grupo de trabalho para discutir o TC/PM.

Homem baleado

Clóvis Marcondes de Souza não tinha relação com a perseguição policial quando foi baleado. Ele era ferroviário aposentado e estava indo buscar um remédio em uma farmácia quando foi atingido. Ele era casado e deixou dois filhos.

A equipe de policiais militares envolvida na ocorrência era do 8º Batalhão da PM. Eles estavam atrás de uma motocicleta conduzida por duas pessoas quando ocorreu o disparo, que teria sido acidental.

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