Gonzagão, Bob Dylan e as mudanças climáticas (por Pedro Campos)

“Pedi pra chover, mas chover de mansinho pra ver se nascia uma planta no chão”, imploram os compositores Nelinho e Gordurinha, numa canção – “Súplica Cearense”, de 1960 – que o Brasil inteiro conhece na voz de Luiz Gonzaga. Fala do drama de nordestinos vitimados por enchentes depois de terem amargado a dureza  da seca.

Água em excesso e carência extrema de água sempre inquietaram a humanidade, inspiraram poetas e instigaram cientistas, mas precisamos entender a mudança que está acontecendo agora. As tragédias vão de episódicas a recorrentes, e se tornam mais e mais inclementes.

Não são apenas secas como as que ocorriam periodicamente no Nordeste Brasileiro. São estiagens como a que ocorreu recentemente na Amazônia, e as que se alastram pela África e Oceania, eternizando-se e construindo desertos. Não são as enchentes com as quais quase nos acostumamos, apesar do sofrimento que provocam. São inundações calamitosas como esta que devasta o Rio Grande do Sul, de dimensão nunca sequer imaginada.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), organismo ligado à ONU, vem alertando – e elevando paulatinamente o tom dos seus alertas a cada Relatório anual que publica – sobre a relação direta entre o aquecimento global e os eventos extremos cujos impactos “aumentarão e se agravarão em cascata, tornando-se cada vez mais difíceis de gerir”. Detalhe importante: 70% das mortes ocorridas em desastres no mundo nos últimos 50 anos estão relacionadas com a água – ou com a falta dela.

Estes eventos são quase sempre causados pelo que os geógrafos e climatologistas chamam de fator antrópico, ou seja, decorrem da atividade humana, consumindo e devastando recursos naturais e com a ocupação intensa e desordenada dos espaços, especialmente nos perímetros urbanos.

Alguns exemplos: Inundações mortais destruíram prédios, carros, e provocaram o desaparecimento de centenas de pessoas na Bélgica. Enchentes traumáticas mantiveram cidades submersas por semanas em vastas regiões da China. O noroeste dos Estados Unidos, conhecido por seu clima frio, atingiu mais de 38°C por vários dias. A desertificação afeta mais de 250 milhões ao redor do mundo, segundo a ONU. E o Ártico perdeu uma área de gelo marinho equivalente à área dos estados de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, somados. A poluição do ar, dos cursos d’água e do mar, resultante das atividades industriais, agropecuárias, de mineração, e outros tipos de exploração colocam em risco a qualidade e quantidade disponível da água no planeta.

Mas, atenção, levar em conta esta macrotendência planetária não nos absolve dos transtornos que causamos aqui mesmo, perto de nós. Na verdade, o que contabilizamos em escala global é somente o empilhamento dos danos ao meio ambiente que causamos em âmbito nacional, regional, local. Todos somos culpados no plural e no singular.

A consciência de que precisamos romper com a marcha da insensatez generalizada provoca reações importantes. Como representante da Câmara dos Deputados, participei da 10a. edição do Fórum Mundial da Água, realizado em Bali, na Indonésia, e pude somar minha contribuição, com ideias e testemunho, ao grande panorama formado por milhares de pessoas que lá estiveram representando universidades, governos, instituições multilaterais, empresas e organizações da sociedade civil dos quatro cantos do planeta. Todo esse contingente multifacetado põe em evidência o reconhecimento da responsabilidade coletiva com o uso consciente e sustentável do mais estratégico dos recursos naturais – a água.

Fiz contatos importantes, expressei meus pontos de vista e ouvi e debati com personalidades que se posicionavam de diferentes perspectivas técnicas e políticas. Se a questão da água é um desafio global, exige muito mais empenho no Brasil, pois temos aproximadamente 12% de toda água doce superficial do planeta e, ao mesmo tempo, é nosso o semiárido mais populoso do mundo em via de se tornar uma das regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas e se tornar mais árido, sofrendo com o aumento na frequência e na intensidade das secas e, consequentemente, com reduções na disponibilidade de água.

Comecei este texto citando poetas nordestinos, concluo agora abrindo espaço para outra voz profética da canção popular, o norteamericano Bob Dylan, autor de uma canção (“Blowing In The Wind”, 1962) que provoca reflexão sobre nossa responsabilidade como habitantes deste planeta. “Quantos anos uma montanha pode existir até ser lavada pelo mar?”, perguntou Dylan, muito tempo antes de alguém falar seriamente em degelo polar e na elevação do nível dos oceanos. E, mais adiante: “Quantas orelhas um homem precisara ter para ouvir as pessoas chorando? Quantas mortes precisarao ocorrer ate ele ver que tem morrido gente demais?”

O próprio Bob Dylan esclarece que a resposta a estas indagações não é difícil de ser encontrada, pois “Is blowin’ in the wind”, ou seja, vem vindo no vento, vem em rajadas sopradas pelos ventos, paira no ar para quem quiser ver e ouvir.

 

Pedro Campos (PSB), engenheiro civil, é Deputado Federal por Pernambuco

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