Sobre o discurso de Cármen Lúcia contra as redes sociais

O discurso de posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do TSE não primou pela serenidade. Ao que tudo indica, teremos outra eleição marcada pela excessiva ingerência do tribunal nas campanhas e nas redes sociais.

As redes sociais, aliás, são alvo de uma raiva que começa a adquirir até feições de ódio da parte dos ministros do STF. Parece que elas só divulgam fake news, o que está  longe de ser realidade.

A nocividade das redes sociais têm contrapartida que a ultrapassa em muito. Para bilhões de pessoas, elas são fonte de informação confiável, cultura, ótimo entretenimento, discussão produtiva e meio de estabelecimento de amizades.

Ainda que nos apeguemos apenas ao lado nocivo das redes sociais, e ele existe fortemente, não é  recomendável tratar o assunto com destempero, especialmente se você é juiz.

Tome-se esta fala da ministra:

“Máquinas e telas são apenas coisas – poderosas, algumas. É preciso que sejam usadas para o bem das pessoas, e podem ser usadas, o que não se pode é aceitar o mau uso, o abuso das máquinas falseadoras que nos tornaram cativos do medo com suas mensagens falsas, porque se não rompermos o cativeiro digital, chegará o dia em que as próprias mentiras nos matarão.”

Cativeiro digital? Será que o verdadeiro cativeiro não está fora do mundo digital, com os seus carcereiros que usam de heterodoxias para torcer a lei, condenar, ameaçar, censurar e prender, não necessariamente nessa ordem? 

Em outro trecho do seu discurso, Cármen Lúcia diz: 

“A mentira espalhada pelos poderosos ecossistemas das plataformas é um desaforo tirânico contra a integridade das democracias. Um instrumento de covardes e egoístas.”

Não deixa de ser interessante associar o substantivo desaforo com o adjetivo tirânico, mas não entendi o significado dessa junção. O que é um desaforo tirânico? É desaforo feito por tiranos e, portanto, que se deve levar para casa sem resposta? E quem está tiranizando quem no Brasil? Talvez a ministra não saiba, mas há controvérsias a respeito.

Cármen Lúcia ainda disse: 

“O que distingue este momento da história de todos os outros é o ódio e a violência agora usados como instrumentos por antidemocratas para garrotear a liberdade, contaminar escolhas e aproveitar-se do medo como vírus e adoecer pela desconfiança cidadãs e cidadãos.”

Não é bem assim. O método é antigo. Para ficar no exemplo mais evidente, um alemão com bigodinho esquisito uso o ódio e a violência para garrotear a liberdade, contaminar escolhas e aproveitar-se do medo como vírus e adoecer pela desconfiança cidadãs e cidadãos. Só que o lado do amor, da confiança e da democracia não tinha redes sociais para tentar desmascará-lo.

Nas eleições passadas, certas verdades não puderam ser ditas porque foram consideradas fake news. Por exemplo, a de que o PT apoia a ditadura cubana. Ao mesmo tempo, mentiras ganharam corpo, como a de que as urnas eletrônicas foram fraudadas para que Lula vencesse Jair Bolsonaro — e deu no que deu, em 8 de janeiro de 2023.

Talvez haja nexo entre proibir verdades como se fossem mentiras e mentiras se espraiarem como se fossem verdades. Acho que está na hora de fazermos uma reflexão sobre o assunto. E de pensarmos sobre se a falta de serenidade em relação às redes sociais, como se elas fossem o grande problema da democracia brasileira,  não leva muita gente a pensar — erroneamente, claro — que a nossa Justiça  tem lado. 

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