Todos Nós Desconhecidos faz do trauma um romance gay fantástico

Talvez poucas coisas sejam tão universais na humanidade quanto traumas. Porém, é verdade também, que alguns grupos sociais vivenciam as experiências dolorosas de forma mais característica. É o peso do racismo para negros ou os impactos da homofobia em homens gays. É sobre isso que fala Todos Nós Desconhecidos, longa de Andrew Haigh, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (7/3) – em um misto de reflexão sobre a comunidade e desabafo sobre a própria vida.

Adam (Andrew Scott) é um homem gay que trabalha como roteirista. Órfão, após perder os pais em um acidente de carro, ele leva uma vida solitária em Londres. Tudo muda até o encontro misterioso com Harry (Paul Mescal).

Os dois, então, começam a viver uma relação, que envolve sexo, desejo, medo. Tudo isso, enquanto o longa coloca em perspectiva temas contemporâneos, como gentrificação, preconceito e conflitos geracionais.

Homem com camisa florida e cabelo claro no metrô - Metrópoles
Paul Mescal em Todos Nós Desconhecidos

Em Todos Nós Desconhecidos, o diretor e roteirista Andrew Haigh busca a linguagem do realismo fantástico, que fica logo explícito na cena em que Adam reencontra o pai (Jamie Bell) e a mãe (Claire Foy) – afinal, eles estavam mortos.

O filme em nenhum momento oferece uma explicação para isso, abraçando um dos elementos mais fantásticos do cinema, o direito a sonhar e se deslocar da realidade. Porém, essa áurea mágica ganha contornos mais sombrios, à medida que a trama avança.

Adam, uma espécie de alter ego do diretor, é um homem carregado de traumas. Em conversa com Harry, ele fala: “Durante muito tempo, transar para mim era morrer”, em referência a epidemia de Aids, que não foi vivida pelo companheiro mais cedo.

Traumas são a alma de Todos Nós Desconhecidos

Em suas conversas, já adulto, com os pais que morreram quando era criança, ele precisa enfrentar o peso que a homofobia exerce no medo de um homem gay em viver plenamente com sua família. A cena do diálogo com a mãe é dolorosa e, ao mesmo tempo, cativante.

Adam, aliás, vive um mundo de reconciliação com o próprio passado, nas conversas com os pais, nos traumas gritados, no choro contido. Por outro lado, Harry é o chamado do presente, do quanto a solidão e a reclusão afetou esse homem.

Essa oposição exige que Adam encare os traumas de frente para entender que não há como apagá-los, mas é possível seguir e ser diferente com eles. Andrew, o diretor, então acerta nas cenas de sexo em seu propósito para revelar aqueles homens. A trilha usa a ótima Death of a Party, do Blur, em um dos momentos de celebração e reflexão.

Todos Nós Desconhecidos peca, porém, no ritmo. Por ser um filme marcado pelos diálogos; em alguns momentos, faz uso extremamente expositivo das conversas. Nada que comprometa o curso da história.

Avaliação: Bom

Adicionar aos favoritos o Link permanente.