Por que se vota no Chega? (Por David Pontes)

Será que, como disse Pedro Nuno Santos na noite de domingo, não “há 18% de portugueses votantes racistas e xenófobos, mas há muitos portugueses zangados”? Se olharmos para os números, o líder do Partido Socialista (PS) está completamente errado. Há muitos mais portugueses com sentimentos racistas, só que, até ao momento em que o Chega [partido de extrema-direita] tornou aceitável dizê-lo em voz alta, guardavam esses sentimentos para si e não tinham onde votar.

O respeitável European Social Survey de 2018/2019 era bem claro: 62% dos portugueses questionados perfilham pelo menos a crença no racismo biológico ou no racismo cultural. Só 11% dos inquiridos discordavam de todas as crenças racistas. Depois de 10 de Março, podemos continuar a fazer como o líder socialista e olhar para o lado, quando a realidade não nos agrada, ou, em alternativa, podemos tentar ponderar seriamente as razões que levaram mais de um milhão de portugueses a reforçar a presença da direita radical no Parlamento português.

Não há respostas fáceis para algo que é múltiplo e complexo, não fosse o Chega uma rede elástica, capaz de agregar diversas razões de protesto, muitas delas não ideológicas, até porque essa não é a essência do partido. O sentido de oportunidade é a essência do Chega, o de perceber que havia um espaço no mercado político que não estava ocupado e fazê-lo render.

E isto quer dizer que há razões legítimas para o descontentamento que se aloja no Chega e outras perfeitamente ilegítimas, porque fundadas em questões contrárias à lei, à Constituição e à Declaração dos Direitos Humanos. Podemos tentar perceber o que ainda leva pessoas a pensar assim, mas as suas ideias não são para acomodar, são para combater.

Mas há também razões bem legítimas, que se enquadram mais nos “portugueses zangados” de Pedro Nuno. Veja-se o Algarve, o distrito onde o partido ficou à frente de todos. Olhe-se ali para indústria dominante, o turismo, baseada em mão-de-obra barata e muita imigração, sem grandes perspectivas de carreira, para a falta de habitação, para o custo de vida elevado para o comum cidadão, para a distância em relação aos centros de decisão…

Há razões razoáveis e outras irrazoáveis para explicar o voto de protesto, mas uma só interrogação transversal a todas, que a escolha destes eleitores deve suscitar aos outros partidos: porquê eles e não eu?

Fará maravilhas aos partidos se perceberem que é a sua incapacidade de representar o descontentamento de muitos cidadãos, aliada a um clima geral de radicalização do discurso político, a principal razão para explicar o sucesso do Chega.

(Transcrito do PÚBLICO)

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