Imagine descobrir que sua empresa foi “notada” por uma das etiquetas de moda mais famosas do mundo. Isso ocorreu há um ano com a brasiliense Éricka Lobo, de 33 anos. Na época, ela havia entrado com o pedido de registro da marca de roupas Camélia Brand, contestado em abril de 2024 por nada menos que a grife francesa Chanel. A empresária chamou atenção no TikTok ao contar, de forma humorada, sobre o caso.
Vem saber os detalhes!

Camélias
Éricka abriu a marca no início de 2023, com produção própria e voltada para moda casual feminina. Com ajuda de uma advogada, entrou com pedido de registro de marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em janeiro do ano seguinte. A escolha do nome, Camélia Brand, foi uma forma de referenciar uma flor, algo que ela queria desde o início.
“Sempre gostei de moda e tive esse sonho de ter uma marca com a minha identidade. Eu queria o nome de uma flor. Pesquisei muitos nomes em português e outras línguas, mas ‘camélia’ sempre achei que combinava mais”, conta à coluna. “Minha advogada fez o processo de registro. Antes, nós pesquisamos muito para ver se tinha alguma marca registrada [com o mesmo nome].”

Durante a pesquisa, vale destacar, ela descobriu que a Chanel tinha uma relação com as camélias. A fundadora da grife era uma admiradora da flor, que aparece como detalhe em peças da marca e dá nome a uma coleção de alta joalheria. Por isso, Éricka evitou qualquer tipo de associação à marca francesa na identidade visual, mas não imaginou que o nome escolhido seria um problema.
Na galeria, veja exemplos de peças da Chanel que levam a flor camélia como elemento:
Contestação do registro
Algumas semanas depois, Éricka começou a receber ligações e e-mails de empresas informando sobre uma oposição ao pedido de registro de marca, e se oferecendo para ajudar. Para surpresa da empresária, a Chanel contestou o pedido no INPI, como já havia feito com outras etiquetas. Éricka já respondeu à oposição, mas aguarda o retorno há alguns meses.
Na justificativa, ela conta que o advogado da Chanel alegou que a marca brasiliense trabalhava com produtos similares aos da grife francesa, o que poderia confundir os consumidores. Apesar do susto, a empresária encarou tudo com bom humor, além de ter achado o ocorrido curioso, devido à fama da etiqueta francesa: “Achei muito engraçado. Como uma marca desse tamanho se incomoda com uma tão pequenininha?”
Para evitar prejuízos futuros, a empresária pausou as atividades da marca e a loja on-line até que o caso seja concluído. Sacolas, etiquetas e peças que já existem não poderão mais ser utilizadas caso a Chanel consiga barrar o registro. “Estou muito tranquila”, assegura. “Tudo demanda tempo, custos. Por isso, parei. Se precisar fazer outro nome, não vou ter tanto prejuízo.”

Marcas semelhantes
A contestação do registro por terceiros sinaliza que uma marca é semelhante ou potencialmente prejudicial à sua própria, como enfatiza a professora Catharina Taquary Berino, da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB). Ao identificar possíveis conflitos, os responsáveis podem apresentar uma oposição no prazo de 60 dias a partir do pedido. Já o requerente, ao receber a notificação da oposição, deve responder em até 60 dias.
“Essa manifestação deve conter argumentos e, se possível, evidências que refutem as alegações do oponente. Após esse período, o INPI prossegue com o exame de mérito, considerando tanto a oposição quanto a manifestação, antes de tomar uma decisão final sobre o pedido de registro”, detalha a educadora. Ela ressalta que o processo de registro envolve várias etapas e pode ser complexo e demorado.
Do ponto de vista legal, como analisa a especialista, empresas como a Chanel têm direito de proteger a própria marca contra possíveis infrações ou usos que possam gerar confusão no mercado. “Por outro lado, embora a proteção da propriedade intelectual seja importante, a contestação da Chanel pode ser vista como desproporcional quando direcionada a pequenas ou microempresas, que muitas vezes não oferecem risco real ou intencional à marca consolidada”, pondera.

Comércio eletrônico
O professor Alexandre Veronese, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), explica que a proteção não se limita ao nome e também abrange elementos como expressões gráficas. Isso evita que empresas peguem uma “carona” no prestígio de outra marca, além de possíveis confusões dos consumidores no ato da compra.
Conforme aponta o educador, movimentações como essa são comuns e se tornaram ainda mais relevantes com a internacionalização do comércio eletrônico, que possibilita a concorrência entre produtos de países diferentes. Inclusive, há bases de dados compartilhadas a nível internacional, com verificação constante de grandes marcas em mercados relevantes, como o Brasil.
“Qualquer produtor que se sinta potencialmente ameaçado por um registro tem o direito de contestar. O ponto central do registro é que a marca protegida ou sinal distintivo, não induza confusão aos consumidores”, observa Veronese. “Antes da difusão da internet e do comércio eletrônico, poderia haver produtores de produtos similares com o mesmo nome, em países distintos. Haveria pouco contato. Não haveria concorrência desleal entre eles. Com a internet, isso mudou.”