Vereadores culpam prefeitura, que diz seguir indicação dos políticos

Vereadores de Campinas (SP) autores de emendas impositivas que ajudaram a custear shows sob suspeita do Ministério Público de São Paulo (MPSP) por indícios de sobrepreço culpam a Prefeitura por eventuais irregularidades nas contratações.

A administração municipal, por sua vez, diz que seguiu a indicação dos políticos nas contratações.

Segundo o MPSP, pelo menos seis shows realizados em Campinas tiveram um preço maior do que o praticado no mercado. As porcentagens de possível sobrepreço apontadas pelo órgão variam de 30% a 78%, como mostrou a coluna.

Os eventos foram bancados com emendas impositivas de quatro vereadores de Campinas: o ex-vereador Marcelo da Farmácia (PSB), Edison Ribeiro (União Brasil), Arnaldo Salvetti (MDB) e Nelson Hossri (PSD).


A relação dos shows acima do preço, segundo o MPSP

  • Cleiton e Camargo (Conectshows Promoções e Eventos Ltda) – R$ 95 mil – possível sobrepreço de 78% acima – bancado com emenda de Marcelo da Farmácia (ex-vereador)
  • Alex e Yvan (J.P.R Produçoes e Eventos LTDA)  – R$ 70 mil- possível sobrepreço de 66% –  bancado com emendas de Marcelo da Farmácia
  • Althair e Alexandre (BR Brasil Eventos Shows) – R$ 95 mil – possível sobrepreço de 43% – bancado com emenda de Edison Ribeiro
  • Frank Aguiar (Luma P C Aguiar Lacerda Produção) – R$ 80 mil –  possível sobrepreço de 60% – bancado com emenda de Arnaldo Salvetti
  • Marcos Paulo e Marcelo (Portal do Eventos) – R$ 85 mil – possível sobrepreço de 30% – bancado com Marcelo da Farmácia
  • Negritude Junior (Roneia Forte Correa) – R$ 69 mil – possível sobrepreço de 65% – bancado com emenda de Nelson Hossri e Marcelo da Farmácia

Ribeiro, Salvetti e Hossri afirmaram à coluna que não atuaram na contratação das empresas agenciadoras dos artistas, que devem tratar diretamente com a Prefeitura sobre o trâmite.

Questionados sobre a indicação específica dos artistas a serem contratados, eles apresentaram diferentes justificativas.

Edison Ribeiro, por meio de seu filho e porta-voz, André Ribeiro, afirmou que a ideia de levar o show de Althair e Alexandre a Campinas partiu de uma enquete realizada para averiguar a demanda da população.

Segundo André, embora o parlamentar tenha sugerido a escolha da dupla, coube à Secretaria de Cultura os trâmites burocráticos diretamente com a empresa a ser contratada, que fica responsável por fornecer à administração pública uma série de documentos que viabilizam a realização do show.

“O vereador destina o valor da emenda para cultura […] Eles [as empresas] mandam toda a documentação para a Secretaria de Cultura. A Secretaria de Cultura avalia, é o valor da menor nota”, afirmou à coluna.

“É o vereador que paga? É o vereador que vê toda a documentação? É o vereador que vai lá no escritório? Não é”, disse.

O vereador reproduziu argumentos similares em esclarecimento protocolado nos autos do processo do MPSP.

“Ressalto que em nenhum momento houve direcionamento para um evento específico ou pagamento de cachês para artistas. A responsabilidade pela administração dos recursos provenientes das Emendas Impositivas é exclusiva da Prefeitura Municipal de Campinas, e não tive acesso ou proveito do erário direcionado por meio das referidas Emendas”, diz trecho do documento.

Nelson Hossri, em um primeiro contato, afirmou que não foi o responsável pela indicação do Negritude Júnior. Segundo o vereador, ele não escolhe o artista, mas sim, o estilo de música a ser apresentado.

“Você não escolhe o show, você escolhe a música que a população da região tá precisando. Eu não vou levar música eletrônica num bairro que é o berço do samba. Eu não vou levar MPB a um lugar que querem sertanejo”, declarou.

Após ser questionado sobre o posicionamento da Prefeitura, que dizia ter apenas atendido as indicações dos parlamentares nas contratações, Hossri disse que os vereadores, “ouvindo a comunidade, sugerem/indicam possíveis artistas” e disse que “todo o trâmite legal foi devidamente respeitado”.

Ele também apontou que a responsabilidade da contratação é da Prefeitura, e que não sabia que o preço pago pelo show do Negritude Júnior estaria acima do preço praticado no mercado.

“Quem executa é a Secretaria de Cultura, é a Prefeitura. Então, eu não sei o valor, eu não sei como eles pagaram […] Nunca tive ciência de valor de show. Nunca tive ciência de nada. Esses shows aí são contratados pela Prefeitura”, disse.

Arnaldo Salvetti, cuja emenda ajudou a bancar o show de Frank Aguiar, afirma que a contratação é feita via Secretaria de Cultura, e que a prerrogativa do vereador é apenas indicar a emenda.

“A Cultura tem um critério para a contratação de artistas e é ela que faz […] Eu só indiquei a verba impositiva para pagar o cachê do artista. Não faço contratação, não faço nada”, disse.

Segundo ele, a indicação veio a partir da comemoração do “Dia do Cavaleiro”, cujo pedido veio do Clube dos Cavaleiros de Campinas.

“Inclusive essa data é oficial e o clube me pediu se eu poderia fazer a doação da emenda impositiva para a contratação do artista. Quem fez o pedido foi o clube, eu não pedi nenhum artista”, disse.

O ex-vereador Marcelo da Farmácia não respondeu aos contatos da coluna. Mas em resposta ao MP-SP na investigação ele disse que as emendas são um dispositivo previsto em lei e suas indicações ocorreram dentro do previsto, e, portanto, não houve qualquer irregularidade nas indicações.

Marcelo também afirmou que, além da conformidade das emendas, a responsável por cumprir as emendas são as secretarias do município, a quem cabe “iniciar o procedimento de contratação, seja licitação, pregão, tomada de preços, diálogo competitivo, ou qualquer outro que a lei determine, não havendo qualquer ingerência do Poder Legislativo Municipal neste processo”.

Enquanto os vereadores colocam a culpa de uma eventual irregularidade na Prefeitura, a Secretaria de Cultura rebateu o argumento afirmando que a contratação dos referidos artistas é resultado das indicações dos parlamentares.

“Os processos de contratações por meio de emendas impositivas foram iniciados com indicações dos vereadores autores das emendas parlamentares, cabendo à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo a análise da documentação e a formalização do processo administrativo”, afirmou.

A Prefeitura explica, por exemplo, que não define os valores dos cachês, os quais são estabelecidos com base na comprovação de preços dos últimos 12 meses da empresa, sendo que o preço final é o menor valor apresentado desse conjunto.

Outro ponto levantado pela administração de Campinas é que, por conta da exigência da análise documental das empresas -que inclui portfólio artístico, comprovação de valores praticados e certidões negativas – nem sempre as indicações parlamentares são efetivadas.

“Muitas propostas não avançam por não atenderem aos critérios técnicos e legais exigidos. Entre fevereiro e março de 2025, foram iniciados 94 processos de contratação, sendo que 78 resultaram em apresentações efetivadas, enquanto os demais foram indeferidos por não cumprirem os requisitos legais”, disse em nota.

Investigação do MPSP

A investigação do Ministério Público teve início depois do recebimento de uma denúncia anônima que tratava das emendas impositivas dos vereadores do município.

Um dos pontos levantados na denúncia é o incremento das verbas destinadas à pasta da Cultura por meio das emendas, especialmente voltadas ao custeio de shows, cuja contratação dos artistas pode ser feita sem licitação.

“Sem dúvida as funções do estado na promoção da cultura são legítimas e demandam recursos. Mas uma parcela de parlamentares demonstrou especial interesse em aplicar recursos especificamente na contratação de cachês por inexigibilidade. Não se trata de cachês de grupos locais, mas daqueles de alto valor, acima de R$100 mil reais”, dizia a denúncia.

Após a abertura da investigação, o Ministério Público encaminhou à Prefeitura de Campinas uma recomendação para suspender a execução de emendas impositivas destinadas à contratação sem licitação de eventos e shows com valor acima de R$ 100 mil.

Segundo o MP, o objetivo era “permitir o aprofundamento da apuração de eventuais irregularidades na destinação de tais emendas”.

A partir do alerta feito pela denúncia anônima, o MP passou a apurar as irregularidades na contratação dos shows.

O setor técnico do MP, após analisar as contratações, apontou para um suposto sobrepreço em algumas delas.

“Conforme discriminado na fundamentação, este setor localizou alguns pactos realizados pelo município de Campina com preços, em tese, incompatíveis com contratações realizadas à época por outros municípios”, concluiu o Caex.

Com base no relatório da área técnica, a promotora Cristiane Corrêa de Souza Hillal determinou a continuidade das investigações com relação às “empresas apontadas como praticantes de preços incompatíveis”.

O momento atual da apuração está dedicado à escuta da Secretaria de Cultura do município, bem como dos artistas mencionados.

A oitiva da Secretaria Municipal de Cultura foi realizada no último dia 9 de abril.

Defesa

Questionadas pela coluna, a empresa Conectshows, do show de Cleiton e Camargo, afirmou que todos os show públicos são realizados através de inexigibilidade de licitação, obedecendo sempre os requisitos estabelecidos em lei e, para isso, são enviadas notas fiscais para comprovação de valor.

Quanto à precificação do show, a empresa diz que são levados em conta a logística do transporte dos artistas, data, responsabilidades e até “o interesse em realizar shows em certas regiões e participar de certos eventos que para o artista é importante fazerem parte”. Ainda, diz que não existe uma” tabela de preços a ser seguido”.

“O simples fato de ter preços diferentes em datas diferentes não pode ser enquadrado em sobrepreço, ademais, para classificar sobrepreço, teríamos que ter situações iguais, o que é impossível no setor artístico”, disse.

A Portal dos Eventos, do show de Marcos Paulo e Marcelo, afirmou que desconhece o vereador Marcelo da Farmácia, e que costurou a contratação de Marco Paulo e Marcelo por meio da Secretaria de Cultura, depois do envio de diversos documentos referentes aos preços cobrados.

Ainda, disse que o valor do contrato em Campinas foi “mais barato” do que o preço cobrado normalmente.

“Nós temos que analisar o contrato em cima das nossas viagens. Por exemplo, se eu for fazer um show no norte de Minas, até chegar em Campinas eu vou ter mil km. Toda a logística fica mais cara”, afirmou.

Já a Luma P C Aguiar Lacerda Produção, responsável pelo show de Frank Aguiar, afirmou que a contratação foi realizada diretamente com a Secretaria de Cultura de Campinas, conforme editais e processos estabelecidos, que incluem apresentação de propostas, análise de preços e avaliação de currículos artísticos.

“A empresa Luma P C Aguiar Lacerda Produção seguiu o processo formal estabelecido pela Secretaria de Cultura, sem contato direto com o vereador para definição do show”, disse.

Quanto ao preço cobrado pelo show, a Luma afirmou que foi definido com base em sua política de precificação, considerando custos de produção, cachê do artista e outros fatores relevantes.

“O valor refletiu as especificidades do show, incluindo produção, deslocamento do artista e equipe, além de outros custos associados”, concluiu.

A J.P.R Produções, responsável pelo show de Alex e Yvan, disse que tem “todos os documentos que compravam e justificam os valores praticados em todo o Brasil” e que estão “tranquilos quanto à investigação”.

A BR Brasil Eventos afirmou que irá se manifestar nos autos do processo.

A coluna não obteve contato com a empresa Roneia Forte Correa, que representa o show do Negritude Júnior.

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