Ivan Esperança Rocha, Universidade Estadual Paulista (Unesp)
O jesuíta Jorge Mario Bergoglio, morto nesta segunda-feira, dia 21, às 7h35, aos 88 anos, em Roma (Itália), ocupou por 12 anos a 266ª posição como Papa da Igreja Católica.
Nascido na capital argentina Buenos Aires, em 17 de dezembro de 1936, foi o primeiro sumo pontífice proveniente da América Latina. Seu papado foi caracterizado por um forte engajamento com os necessitados e uma visão inclusiva do catolicismo no século XXI.
A possibilidade de renúncia, acompanhando a decisão do antecessor Bento XVI, tinha sido cogitada em caso de uma doença grave que o impedisse de exercer suas funções, mas não chegou a acontecer.Em sua quarta e mais longa internação no Hospital Gemelli, em Roma, em fevereiro deste ano, Francisco lutou contra uma dupla pneumonia, insuficiência renal e complicações de saúde que levaram à sua morte.
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A postura de Francisco, como ficou mundialmente conhecido, foi marcada pela transparência e por uma humildade que remete aos ensinamentos de São Francisco de Assis, a inspiração para o nome que adotou. Dentre suas últimas ações estão a nomeação de bispos (cinco para o Brasil) e a aprovação de ações para arrecadar fundos para aliviar a forte crise financeira que atingiu a Santa Sé nos últimos anos.
Primogênito de cinco filhos do ferroviário Mario Giuseppe Bergoglio Vasallo e da dona de casa Regina Maria Sivori Gogna, Jorge Mario começou sua jornada religiosa em 1958, aos 21 anos. Onze anos depois, foi ordenado sacerdote. Em 1992, o Papa João Paulo II consagrou-o bispo auxiliar de Buenos Aires.
Tornou-se arcebispo em 1998, cargo que ocupou até 13 de março de 2013, quando foi escolhido o líder máximo da Igreja Católica no quinto escrutínio do Conclave. Sucedeu ao Papa Bento XVI, que havia renunciado. Aspectos dos bastidores de uma eleição papal podem ser conferidos no filme Conclave, em cartaz no país, dirigido por Edward Berger e que concorreu ao Oscar 2025.
Na juventude, Jorge Mario Bergoglio trabalhou em um laboratório químico, foi ajudante de limpeza numa floricultura e segurança de boate. Chegou a dizer que este último emprego ajudou-o a descobrir como atrair descontentes à Igreja.
Privilegiando a vida mais simples, Francisco decidiu residir na Casa Santa Marta em vez de morar no luxo do Palácio Apostólico do Vaticano.
Coerente com seus propósitos, organizou encontros com a população, visitou penitenciárias, comunidades carentes e hospitais, e utilizou constantemente as redes sociais para estabelecer uma comunicação direta com os fiéis.
Posições firmes sobre temas globais
O Papa Francisco se destacou por implementar mudanças aguardadas e muitas vezes controversas dentro da Igreja e por sua profunda dedicação à justiça social, ao auxílio aos necessitados e à necessidade de preservação do meio ambiente.
Dentre as mudanças que eram esperadas estão a reforma financeira e administrativa do Vaticano e uma posição firme contra o abuso sexual na Igreja. Já algumas das suas atitudes mais controversas abordaram questões de moral sexual e familiar, como a possibilidade de divorciados recasados receberem a comunhão, a discussão do papel das mulheres na Igreja e a adoção de uma postura mais inclusiva em relação à comunidade LGBTQIA+.
A reforma da Cúria Romana está entre as suas ações mais importantes. Ele instaurou a possibilidade de nomeação de leigos e leigas para exercer funções de governo e responsabilidade na Cúria Romana e definiu que essa estrutura não deveria estar apenas a serviço do Papa, mas sim de todas as dioceses. Também reduziu o número de dicastérios e o poder de organizações conservadoras e evangelizadoras como a Oppus Dei.
Defensor do ecumenismo, fomentou o diálogo entre diferentes religiões e conectou-se com os principais líderes religiosos de sua época, buscando compartilhar seu compromisso com a promoção da paz, a justiça social e a proteção ambiental. Foi um crítico severo do consumismo, do capitalismo desenfreado e da desigualdade social. Posicionou-se em defesa da ciência no enfrentamento de pandemias e a busca por alternativas para a crise dos refugiados.
No campo da geopolítica, o sumo pontífice sugeriu ações concretas à Organização das Nações Unidas (ONU), como parte de seus novos objetivos do milênio, para combater a exclusão social e as novas formas de escravidão. Ele sugere, por exemplo, conceder a todos os países, sem exceção, a participação e incidência reais e equitativas nas decisões, em especial nos órgãos com capacidade executiva concreta, como os organismos financeiros e os mecanismos de enfrentamento das crises econômicas.
Em sua mensagem para o 108° dia Mundial do Migrante e do Refugiado, em 2022, o Papa Francisco destacou:
“Ninguém deve ser excluído. O plano divino é essencialmente inclusivo e coloca, no centro, os habitantes das periferias existenciais. Entre estes, há muitos migrantes e refugiados, deslocados e vítimas de tráfico humano.”
Francisco foi um crítico contundente de qualquer tipo de imperialismo ou colonialismo.
Visita ao Brasil
O Papa Francisco conduziu 516 audiências públicas e fez 67 viagens apostólicas. Veio ao Brasil em 2013, quando desfilou em carro aberto, para participar da 28ª Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro.
Durante os anos de pontificado, dedicou-se a uma intensa atividade de comunicação e de publicações. Ele expressou suas ideias por meio de Cartas Apostólicas, várias Constituições Apostólicas e quatro Encíclicas, entre outros documentos, além de ter feito mais de dois mil discursos e centenas de homilias.
Foram temas presentes em suas encíclicas a construção do Reino de amor e justiça neste mundo, a justiça e solidariedade com os pobres e marginalizados, o reconhecimento e respeito pelos direitos individuais e sociais. Ele também deu maior visibilidade a temas como a proteção da liberdade religiosa, a resposta aos abusos do poder econômico, tecnológico, político e midiático. Suas manifestações continham, muitas vezes, o elogio a novas formas considerar a economia e o progresso, a transformação da cultura do desperdício e o diálogo entre a fé e a razão.
Oposição de setores conservadores
Tanto no âmbito político quanto religioso, inclusive de líderes da própria Igreja Católica, Francisco enfrentou oposição às suas ideias em várias regiões do mundo.
Na Argentina e em outros locais críticos, especialmente em áreas conservadoras, acusaram-no de apoiar governos de esquerda e de promover alterações que traziam desvios na tradição moral e administrativa da Igreja ao abordar temas como a inclusão de minorias e mudanças estruturais na Igreja de maneira muito progressista, defendendo uma Igreja para todos.
Para o Papa Francisco, nos dias atuais a cristandade perdera sua capacidade de perceber o sentido profundo de ser cristão, e por isso seria necessário falar e retomar as relações com todos.
Suas críticas ao neoliberalismo e ao modelo econômico global foram vistas como um ataque direto às políticas liberais. Em países como os Estados Unidos e partes da Europa, setores conservadores da Igreja Católica se manifestaram contra suas posições mais liberais em assuntos como imigração, meio ambiente, a participação das mulheres na Igreja, além de sua aceitação de homossexuais e apoio à união civil entre casais do mesmo sexo.
Em resposta às alegações de ser um comunista, Francisco afirmou que sua defesa estava voltada aos pobres e marginalizados. Ele também lidou com problemas como casos de corrupção na Santa Sé e as acusações de pedofilia no clero. Se para alguns a abordagem dos casos de corrupção e de pedofilia no interior da Igreja soou preocupante, para muitos ainda ficou aquém do desejado.
Apesar disso, o Papa Francisco permaneceu uma figura carismática e respeitada entre católicos e não católicos, notavelmente por sua abordagem de diálogo e preocupação com os necessitados, assim como suas declarações sobre conflitos recentes, a exemplo da guerra entre Ucrânia e Rússia e o grave conflito entre o governo de Israel e os Palestinos.
Conquista de fiéis
A relevância de Francisco pode ser evidenciada pela extensa quantidade de menções a ele no Google, contabilizando 144 milhões delas em 24 de fevereiro de 2025.
Estatísticas que não cobrem todo o período do seu mandato, mas que podem ser utilizadas para detectar a amplitude da presença da Igreja no mundo, apontam, por exemplo, um aumento em torno de 14 milhões de católicos em 2022 em relação ao ano anterior.
A tendência de aumento se verificou especialmente na África, América, Ásia e Oceania, ainda que a Europa tenha registrado uma diminuição do número de católicos no mesmo período. Esta ampliação da base da Igreja se deve, dentre outros fatores, ao impacto positivo das mudanças trazidas pelo Papa Francisco na vida e estrutura da Igreja e principalmente à sua visão inclusiva em relação a grupos até então marginalizados pela ação da Igreja.
Houve também um aumento global de Bispos, ainda que com uma diminuição no número total de sacerdotes, particularmente na Europa e América. Por outro lado, houve um significativo crescimento na quantidade de sacerdotes na África e na Ásia. O contraponto da diminuição do número de sacerdotes no mundo foi, por exemplo, um aumento significativo do número de diáconos permanentes em 2022 em relação a 2013.
No âmbito do ensino e educação, a Igreja prestou assistência, no mundo inteiro, a 74.322 escolas maternas, que contam 7.622.480 alunos; 102.189 escolas primárias, com 35.729.911 alunos; 50.851 escolas de ensino fundamental e médio, que contam 20.566.902 alunos e têm como proposta formar pessoas para a fraternidade e para o respeito de valores, culturas e saberes de cada comunidade humana.
No Brasil, as escolas católicas estão presentes em 509 municípios brasileiros, o que representa quase 10% dos 5.570 do país, sendo que mais de 20% dos alunos das escolas católicas estudam com bolsas de estudo integrais.
As instituições de saúde, beneficência e assistência dirigidas pela Igreja no mundo incluíam 5.420 hospitais, 14.205 dispensários, 525 leprosários, 15.476 casas para idosos, enfermos crônicos e com deficiência, 10.589 creches, 10.500 consultórios matrimoniais, 3.141 centros de educação ou reeducação sociais e 33.677 outros tipos de instituições.
Se não conseguiu realizar todo seu projeto de pontificado, o Papa Francisco deixa um legado de administração proativa e responsável e de um incansável trabalho em favor dos pobres e marginalizados.
Ivan Esperança Rocha, Cofundador da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR) e professor de História Antiga da Faculdade de Ciências e Letras , Universidade Estadual Paulista (Unesp)
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