A sucessão presidencial é o momento de crise no regime democrático. Pode durar alguns dias, ou demorar meses, mas crise acontece. O presidente Lula anunciou no início deste ano que o período eleitoral estava começando. Com esta decisão chamou a crise para si e a alojou no Palácio do Planalto. Os condimentos estão todos lá: uma reforma ministerial que não anda, deputado que recusa o cargo de ministro e, para temperar, uma brutal crise de corrupção no INSS, instituição que comanda o destino de milhões de pessoas necessitadas de apoio por idade ou necessidade médica. O desastre está na porta. E o presidente já superou eventuais dúvidas: ele é candidatíssimo à Presidência da República.
A sucessão presidencial, no caso atual, indica também uma sucessão geracional. Ninguém mais fala da Nova República, que se instalou depois da Assembleia Constituinte. As principais realizações foram positivas. Acabou a hiperinflação, ocorreu razoável abertura de sua economia, privatizou o que foi possível, criou agências governamentais e ainda conseguiu chegar a uma lei de responsabilidade fiscal. Foram providências importantes, mas que se já se perderam na memória popular. As pessoas olham para frente. A juventude tem seus próprios projetos.
O Partido dos Trabalhadores está vivendo o processo de substituição de seu comando. As correntes que disputam o poder estão se devorando entre si, mas há a noção de que o PT também perdeu o bonde da história. Já não tem influência na Igreja Católica, depois que os principais líderes religiosos de tendência esquerdista foram afastados. O impressionante crescimento das religiões neopentecostais ocorre longe do trabalhismo, dentro de regras próprias. Os novos empregos não precisam de sindicatos, nem de organizações formais. Ao contrário, buscam autonomia e pretendem ter independência para criar empresas quando e como quiserem. Podem trabalhar em qualquer lugar, sem patrão. A internet permite este luxo. É comum encontrar quem trabalhe em casa ou até na beira da praia.
Os assuntos vão se misturando. O sistema político brasileiro é uma fábrica de crises, independentemente da sucessão presidencial. O presidente Lula foi eleito por estreita margem de votos por uma coligação do centro para a esquerda. Este desenho político não corresponde ao jogo de forças no Congresso, onde o governo é minoritário. A solução foi entregar mais verbas aos deputados e senadores para que o governo possa governar. Isto é, dentro do pequeno espaço que o sistema oferece. A crise política é a constante na política brasileira, que não é mais agravada porque os parlamentares estão mais preocupados em garantir suas verbas que discutir os rumos do país. Ou seja, o país cresce enquanto os políticos estão ocupados com outros afazeres.
Acontece então que o governo federal não quer ou não consegue ter metas. Há um plano de ação que simplesmente relaciona obras que já estavam planejadas. Não há ação política no sentido de agregar novas áreas da economia nacional. A visita do presidente do Chile, Gabriel Boric, semana passada, abriu uma discreta possibilidade porque o governo Trump está criando problemas no Panamá com objetivo de dominar o canal. Sem ele, o trânsito de navios volta a ser realizado pelo sul do continente, através do estreito de Magalhães ou da passagem de Drake. A alternativa é construir uma ligação eficiente entre os portos do Atlântico, brasileiros, e os do Pacífico, chilenos. Estrada de ferro ou de rodagem. Já existe a ligação rodoviária pelo Acre, via Assis Brasil, mas é muito distante dos principais centros produtores.
E o governo não sabe o que fazer com a Amazônia. Seria um belo projeto reunir as melhores cabeças do Brasil na questão ambiental e enfrentar o problema da selva Amazônia, que deve ser preservada, mas não pode permanecer intocada para que os gringos venham fotografar macaco e jacaré. E o mundo do crime faça dos grandes rios as avenidas para escoar droga. Os chineses, sempre atentos, inauguraram uma linha de transporte marítimo ligando o porto de Santana, no Amapá aos principais portos de seu país.
Na falta de ideias modernas, o governo se contenta em ser uma administração mediana, sem grandes projetos, capaz apenas de anunciar ações populistas para garantir votos na próxima eleição. Os jovens vão mudar este cenário. Outras ideias vão prevalecer. Ninguém poderia imaginar que a União Soviética, aquele colosso, fosse desabar de um dia para outro. Aconteceu. Nem que os Estados Unidos admitiriam ser ultrapassados pelos chineses, comunistas. O novo cenário está diante de todos nós com clareza capaz de ferir até olhos menos sensíveis. O Brasil também vai mudar.
André Gustavo Stumpf, jornalista ([email protected])