Alimentos desaceleram, mas seguem pressionando inflação: saiba por quê

Apesar de terem desacelerado em abril, os preços dos alimentos continuam pressionando a inflação no Brasil e novamente representaram forte impacto sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).


O que aconteceu

  • Divulgado na manhã desta sexta-feira (9/5) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice ficou em 0,43%, na comparação com março.
  • No acumulado de 12 meses até abril, o IPCA foi de 5,53% – ainda bem acima da meta de 3% ao ano estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
  • Em 2025, a meta inflacionária é de 3%, com variação de 1,5 ponto percentual – isto significa piso de 1,5% e teto de 4,5%. Ela será considerada cumprida se oscilar dentro desse intervalo de tolerância.
  • O Banco Central (BC) contém o avanço dos preços por meio da taxa Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) a cada 45 dias. A última reunião do Copom ocorreu nos dias 6 e 7 de maio.
  • Nesta semana, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a Selic para 14,75% ao ano — maior valor da taxa em quase duas décadas.
  • As projeções do mercado financeiro para a inflação referente a 2025 seguem distantes da meta. Segundo a edição mais recente do Relatório Focus, do BC, a estimativa dos analistas para o IPCA está em 5,53%.

Alimentos continuam pesando no bolso

Embora tenha subido, a inflação desacelerou em abril, ficando 0,13 ponto percentual abaixo da taxa de março (0,56%). O arrefecimento do índice foi puxado pelo grupo de alimentação e bebidas, que teve a maior desaceleração no mês.

Mesmo assim, a inflação dos alimentos teve maior impacto no índice geral, com contribuição de 0,18 ponto percentual. “O grupo alimentação é o de maior peso no IPCA, por isso, mesmo desacelerando, exerce impacto importante. Em abril, observamos também um maior espalhamento de taxas positivas no grupo, com índice de difusão passando de 55% para 70%, porém, envolvendo subitens de menor peso”, explicou Fernando Gonçalves, gerente do IPCA.

Segundo André Valério, economista sênior do Inter, “a inflação ainda se encontra em patamar que demanda cautela, com um qualitativo que, após a piora na virada do ano, demonstra dificuldade em melhora significativamente”.

“Os dados de inflação deixam claro que a política monetária terá de permanecer em patamar suficientemente restritivo por um longo período, até que se observa a retomada do processo de convergência da inflação em direção à meta. De todo modo, os próximos meses devem apresentar um alívio na inflação, à medida que a política monetária restritiva comece a impactar o mercado de trabalho, aliviando a inflação de serviços, e também a recente apreciação do real comece a aparecer na inflação dos itens industriais e livres”, avalia.

O economista Maykon Douglas, por sua vez, diz que “a inflação continua com uma cara bem ruim”. “Teremos certo alívio na ponta vindo do próprio câmbio, que descompressiona os preços ao produtor. Mas também há defasagem nesse impacto ao consumidor e, de todo modo, a atividade aquecida limita a reversão na inflação subjacente no curtíssimo prazo. Contexto desafiador ao BC, que precisa manter os juros altos por mais tempo”, afirma.

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Geraldo Alckmin anunciou medidas visando a redução dos preços dos alimentos e zerar os tributos sobre vários alimentos importados

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Inflação do preço dos alimentos virou desafio do governo Lula

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Geraldo Alckmin anunciou medidas visando a redução dos preços dos alimentos e zerar os tributos sobre vários alimentos importados

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Por que a inflação dos alimentos segue forte

De acordo com especialistas ouvidos pelo Metrópoles, uma combinação de fatores explica o aumento nos preços dos alimentos no Brasil, em um fenômeno que já não é tão recente e se agravou nos últimos anos. Eventos climáticos extremos, com períodos de chuvas mais intensas ou de secas prolongadas, acabaram influenciando diretamente a oferta e o volume da produção. Além disso, a demanda por produtos do agro brasileiro ficou mais aquecida tanto no mercado interno quanto no externo.

“À medida que a inflação de alimentos se sustenta acima da inflação média, isso significa que colocar alimento na mesa está pesando mais para as famílias. Se os salários são corrigidos pelo IPCA médio e os alimentos sobem mais do que esse índice, essa remuneração não acompanha a inflação de alimentos. Você tem de gastar mais para consumir a mesma quantidade de comida”, explica o economista André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV Ibre.

“De 2020 para cá, tivemos a pandemia, que criou graves problemas nas cadeias produtivas globais. O custo para que os alimentos chegassem à mesa das famílias aumentou muito. Depois tivemos eventos climáticos sérios, como a crise hídrica de 2021, que elevou o preço dos alimentos por causa da pouca chuva”, observa Braz. “Em 2022, tivemos a guerra entre Rússia e Ucrânia, que também elevou os preços de algumas commodities, encarecendo as carnes em geral. Em 2023, houve até uma queda no preço dos alimentos, mas muito pequena frente ao aumento acumulado. E, finalmente, em 2024, tivemos o El Niño, que resultou em fortes chuvas, e o La Niña, que secou algumas áreas do país, levando à quebra da safra de café.”

O fenômeno El Niño, por exemplo, provoca o aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico, causando profundas alterações nos padrões climáticos globais – o que afeta diretamente a agricultura. No Brasil, regiões como o Norte e o Nordeste ficaram mais secas, enquanto o Sul do país sofreu com o excesso de chuvas, como ocorreu entre abril e maio do ano passado na tragédia climática do Rio Grande do Sul.

Economia aquecida e alta demanda

Outro fator que ajuda a explicar a inflação persistente dos alimentos no Brasil é o aumento da demanda interna, provocado pelo aquecimento da economia. Segundo dados divulgados pelo IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 3,4% em 2024, depois de já ter avançado 3,2% no ano anterior. A taxa de desemprego no país, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), ficou em 7% em março – o menor nível para o primeiro trimestre em toda a série histórica, iniciada em 2012.

“Nos últimos anos, a economia brasileira vive uma fase bastante aquecida, com índices fortes de crescimento. Quando olhamos para o desemprego atual, é uma taxa baixa para os padrões brasileiros”, afirma André Diz, professor de MBA do FGV Agro. “Tudo isso sinaliza uma economia aquecida, com o mercado de trabalho crescendo no número de ocupados e no salário médio. Uma parte disso [inflação dos alimentos] é por causa do crescimento da economia brasileira. Esse crescimento da renda acaba se materializando na forma de demanda por alimentação”, explica.

No ano passado, o mercado aquecido foi um dos responsáveis pelo aumento no preço da carne. A procura interna pela proteína foi grande, ao mesmo tempo em que diversos fornecedores do exterior – como os Estados Unidos e a Austrália – recorreram ao Brasil para suprir problemas de suas produções.

Dólar e incerteza fiscal

Outra explicação apontada pelos analistas é a valorização do dólar frente ao real observada no fim do ano passado. A alta da moeda norte-americana em relação à brasileira é considerada determinante para o aumento do preço doméstico dos alimentos, que está ligado aos valores praticados no mercado internacional (determinados em dólar).

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o dólar fechou o ano passado cotado a R$ 6,10, uma alta de 24% em relação ao valor do início de 2024 (R$ 4,91). Essa trajetória se acentuou a partir de novembro, quando o governo federal apresentou um pacote fiscal que projetava uma economia de R$ 70 bilhões em 2 anos. O valor foi considerado insatisfatório pelo mercado, cuja percepção negativa aumentou ainda mais com o anúncio, em paralelo, da proposta de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil.

“O que fica na conta do governo é a questão cambial. As razões que justificam a desvalorização cambial têm a ver com os riscos que a nossa economia impõe aos investidores. O risco do momento é o fiscal”, aponta André Braz, do FGV Ibre.

“Há uma dívida pública crescente e não se tem certeza de como ela será reduzida no médio ou longo prazo. Essa falta de uma política fiscal mais austera é o que sustenta a nossa taxa de câmbio em um patamar de forte desvalorização”, analisa. “E já esteve muito pior, chegando a R$ 6,30 no início deste ano. A taxa de câmbio já se recuperou um pouco, mas ainda segue muito desvalorizada. Poderíamos ter uma moeda mais fortalecida, o que nos ajudaria muito a diminuir a inflação de alimentos.”

Preço dos alimentos vai baixar?

Para André Braz, a expectativa é a de que a inflação dos alimentos intensifique a desaceleração até o fim do ano, mas dificilmente haverá uma queda dos preços no curto ou médio prazo. “Pode ser que os preços subam menos do que se estimava. No começo do ano, se esperava uma alta de 10% a 11% para alimentos em 2025. Pode ser que fique entre 6,5% e 7%. Mesmo assim, é muita inflação para alimentos em um ano só, considerando que a nossa meta de inflação é de 3%”, diz.

“Mesmo que o preço de alguns alimentos caia um pouco, isso não compensa tudo o que o consumidor pagou de reajuste nos últimos anos. Essa eventual queda não é percebida no dia a dia”, prossegue. “Vamos continuar com uma pressão expressiva de alimentação na inflação de 2025. E a solução do problema só virá quando tivermos um clima mais ameno, mais favorável às nossas culturas, e com o encaminhamento de políticas que façam nossa agricultura ganhar em produtividade.”

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