Com o descortinar de esquemas fraudulentos estruturados em torno do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ganham força os debates sobre a necessidade de blindar o sistema previdenciário. À coluna, Marcus Orione, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), defendeu a criação de políticas de fiscalização que transcendam a visão de governo e sejam pensadas como políticas de Estado.
A farra do INSS — considerada um dos maiores escândalos já registrados na história da Previdência brasileira — foi revelada pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas desde dezembro de 2023 (saiba mais abaixo). Nesta semana, a coluna expôs, em primeira mão, o que pode ser a origem da fraude: o Procedimento Investigatório Criminal (PIC), instaurado em 2021, que apontou irregularidades envolvendo a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil (Conafer).
Em entrevista à coluna, o professor Marcus Orione ressaltou que, desde sua criação, o INSS tem aprimorado os mecanismos de verificação de fraudes. Segundo ele, os recentes escândalos não comprometem a estrutura geral da autarquia.
“No passado, havia fraudes de forma generalizada, como no caso Jorgina de Freitas. Desde o primeiro governo Lula, houve um avanço importante nos mecanismos de controle, que se manteve nas gestões seguintes. Agora, vemos um novo modelo de golpe, e ele pode servir como base para novos aperfeiçoamentos”, afirmou.
Para o professor, falhas na comunicação interna e na transmissão de informações entre governos contribuem para a perpetuação de esquemas como o revelado. Ele alerta que, em fraudes de longa duração e que atravessam diferentes gestões, é difícil apontar omissões individuais.
“Se um presidente do INSS participou de reuniões minimamente contundentes sobre possíveis fraudes e isso não foi resolvido de imediato, esse legado deveria, de alguma forma, ser repassado aos governos seguintes”, disse.
Segundo Orione, o aprimoramento institucional precisa se apoiar em uma lógica de continuidade: “Isso só é possível quando a memória da fraude e os elementos colhidos são repassados aos governos sucessivos. Políticas de combate a fraudes não podem se restringir à duração de um único governo — é preciso transcendê-las.”
Sobre os descontos
Orione também esclareceu que os descontos em contracheques não são, por si só, ilegais — desde que respaldados por contratos válidos e autorizações legítimas.
“É comum a existência de convênios entre entidades e o INSS. Eles permitem, mediante autorização do beneficiário, que o desconto seja feito diretamente na folha. Para isso, é necessário haver contrato formal e operacionalização adequada.”
Segundo o especialista, o beneficiário deve estar formalmente vinculado à entidade para autorizar o desconto. Verificar o holerite, diz ele, é uma das formas mais eficazes de se prevenir contra fraudes. “O problema não é o desconto em si, mas aquele feito sem autorização, ou com base em falsificações e fraudes.”
Para o futuro, o professor defende mais rigor da própria Previdência na validação das autorizações: “É essencial que o INSS disponha de mecanismos eficazes para verificar a regularidade da manifestação de vontade. É isso que garante que o desconto realmente foi autorizado pelo beneficiário.”
O princípio das fraudes
Conforme a coluna revelou, em 2021, um Procedimento Investigatório Criminal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios já alertava para um desvio sistemático de recursos públicos.
Naquele ano, a Conafer saltou de 42 mil para mais de 279 mil filiados. O crescimento coincidiu com o auge da pandemia e com a redução no atendimento presencial do INSS cenário que favoreceu a aplicação do golpe.
Milhares de aposentados e pensionistas descobriram os descontos apenas meses depois. Alguns, com benefícios próximos ao salário mínimo, tiveram até R$ 77 abatidos por mês.
O esquema
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude na filiação de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela PF e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril, e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.