Os donos do Brasil são muito ingratos. Deveriam acender uma vela e rezar todo dia pelo PT, por Lula e pelo MST. Alguns, quem sabe, talvez façam isso escondidos em casa. Basta olhar em torno.
Recomeçam as manifestações contra o governo na Bolívia, ninguém sabe para onde vai a Venezuela, o presidente peruano balança enquanto não cai, o Equador é ingovernável, a Colômbia está entre a guerra civil e uma intervenção americana, a Argentina luta para sair do atoleiro…
Alguém duvida que o PT tenha ajudado a evitar a mesma sorte para o Brasil? Nem os donos seculares do país nem os petistas gostam de admitir, mas Lula e seu partido canalizaram para o sistema eleitoral a maior parte da insatisfação crescente nos anos 90, os anos da estagnação.
Enquanto havia a perspectiva de alguma coisa “diferente do que aí está”, os eleitores não iam para a rua bater panelas ou quebrar as vidraças do palácio presidencial. Da mesma forma, o MST traz para um canal político organizado – ainda que malcomportado, na visão da classe média e dos proprietários – a grande massa de gente atropelada e marginalizada pelas mudanças no campo: a transformação da agricultura em agronegócio capitalista, a urbanização acelerada, o emprego precário.
(Um artigo de Demétrio Magnoli, na Folha de S. Paulo de hoje, trata desse tema – quem pinta o MST como o demônio encarnado em movimento social deveria entender que a alternativa pode ser o Sendero Luminoso).
A responsabilidade do PT só aumenta diante disso, é claro. Não basta acalmar os pavores dos donos do Brasil. É preciso mudar alguma coisa, cumprir o prometido – um pouco, ao menos. E não jogar no desespero quem acreditou na mudança e elegeu Lula.
Mirem-se na Venezuela. A classe dirigente tradicional pisou na bola. Pintou (seus próprios palácios) e bordou (suas roupas de grife) com o dinheiro do petróleo. Para o povão, nada. Nem migalhas.
O sistema político venezuelano, muito democrático na fachada – dois partidos se revezavam no poder desde os anos 50 – se desmoralizou. Faliu no começo dos anos 90, depois que os donos do país fraudaram uma eleição presidencial para impedir a vitória de um líder sindical reformista. Hugo Chávez venceu a eleição seguinte e deu no que deu.
Os donos do Brasil, ao que parece, são mais espertos. Aceitaram a eleição do líder sindical. Estão esperando – e agindo para isso – que Lula e seu partido se deem mal.
O diabo é que o partido está gostando da armadilha. Está se desmoralizando alegremente. É tudo o que os donos do Brasil querem e precisam, para ficar outros 500 anos mandando sozinhos na fazenda.
(Publicado aqui em 25 de maio de 2005)