Foco no aumento de impostos e risco de comprometer uma função estratégica de títulos usados para estimular o financiamento ao crédito imobiliário, ao agronegócio e à infraestrutura. Esses são alguns dos senões que especialistas do mercado identificam nas medidas que o governo federal e lideranças do Congresso definiram para substituir o efeito arrecadatório de parte do decreto que elevou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O pacote de mudanças foi anunciado na noite de domingo (8/6) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Mais uma vez, as medidas se concentram em aumento de impostos, especialmente sobre o setor financeiro e sobre rendimentos de títulos de renda fixa, hoje isentos”, diz Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter. “O movimento tende a elevar ainda mais o custo de capital no Brasil, principalmente porque seguimos sem perspectiva de corte de juros no curto prazo.”
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Rafaela, observa que a taxa Selic deve permanecer alta por um longo período e a incerteza fiscal no curto prazo já apagou uma parte das apostas de cortes em 2025. “Além disso, o risco fiscal ainda sem solução estruturante mantém os juros reais de longo prazo bastante elevados, com emissões do tesouro ao custo de IPCA +7,2%.”
A economista considera que a ausência no pacote anunciado de medidas estruturais de controle do crescimento dos gastos “mostra a dificuldade do caminho mais crível para o ajuste fiscal duradouro”. “Mais impostos vão cobrir o déficit em 2025 e parcialmente em 2026, mas não resolvem a trajetória que seguirá de deterioração sem reformas mais definitivas.”
Outras propostas
Ela cita, “entre as propostas mais aguardadas”, mas que não foram apresentadas, a desvinculação dos pisos da saúde e educação, revisão de regras do BPC, apoio ao projeto de limite de supersalários e reforma da previdência dos militares. “Nada parece ter o apoio do Executivo para seu encaminhamento e aprovação no Congresso”, afirma.
“O aumento de gastos vem mantendo a demanda aquecida e o crescimento do PIB acima do potencial, o que eleva a inflação e resulta em política monetária restritiva. Sem solução à vista, o risco fiscal mantém o prêmio de juros em alta”, afirma Rafaela. “O governo segue ignorando esse elevado custo com as despesas com juros, tanto para a dívida pública como para o setor privado, restringindo as medidas a aumento de impostos que não só são medidas paliativas, mas vão limitar o crescimento da economia pelo lado da oferta.”
Questão estratégica
A economista Patricia Palomo, planejadora financeira da Associação Brasileira do Planejamento Financeiro (Planejar), observa que parte das medidas anunciadas pode ter efeitos estruturais danosos, ao “tributar ativos que, historicamente, têm uma função estratégica.”
Isso ocorre, na avaliação da economista, em relação à proposta de incidência de 5% de Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos de ativos hoje isentos, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).
Reprecificação
Para Patrícia, a medida, se confirmada, deve provocar uma reprecificação imediata desses papéis. “E o efeito macroeconômico dessa medida preocupa”, diz. “Ela abre o precedente de tributar ativos que historicamente têm uma função estratégica, que é estimular o financiamento ao crédito imobiliário, ao agronegócio e à infraestrutura.”
A economista afirma que será necessário um ajuste para manter a atratividade desses papéis frente aos outros instrumentos que já são tributados. “Ou seja, as instituições financeiras vão precisar oferecer remunerações maiores, que devolvam a nova alíquota ao investidor”, afirma. “Esse movimento faz com que o custo de captação dos bancos suba, ainda que a alíquota proposta seja baixa.”
Impacto limitado
Para ela, na prática, o impacto sobre a demanda de investidores deve ser limitado, pelo menos no curto prazo. Com a tributação ainda inferior à de produtos tradicionais, como CDBs e os fundos, LCIs e LCAs devem seguir relevantes nas carteiras dos investidores, principalmente dos conservadores.
“Só que as instituições emissoras desses papéis terão de ajustar as condições ofertadas para evitar uma eventual migração de recursos para os instrumentos, os ativos mais rentáveis nesse novo cenário, como CDBs ou os fundos de crédito privado”, diz.