Seca e vegetação rasteira podem ser o novo normal da Amazônia

A devastação da Amazônia estará cada vez mais próxima se não houver um combate efetivo para a proteção do bioma, tanto de desmatamento como de queimadas, segundo apontam especialistas entrevistados pelo Metrópoles. Estudo publicado na revista Nature mostra que a transição do bioma para um cenário de devastação e seca deve ser realidade até 2050.

O levantamento alerta que a Amazônia pode atingir o ponto de não retorno nos próximos 24 anos. Isso significa que o bioma poderá passar por um estresse climático tão intenso, que vai ocasionar uma mudança extrema no ecossistema, como alteração no regime de chuvas.

“O conceito de degradação florestal implica que a floresta deixa de funcionar. A floresta ela está ali em pé, mas os serviços que ela presta vão parar de funcionar, como sequestro de carbono, produção de umidade, diminuição da temperatura, habitat para outras espécies”, explica Nathália Nascimento, autora do estudo e pós-doutoranda do programa Biota Síntese, da Universidade de São Paulo (USP).

A pesquisadora esclarece, ainda, que as comunidades que vivem no bioma também vão sofrer com as consequências da degradação da Amazônia, como aqueles que moram no norte de Mato Grosso, Rondônia, Pará e no próprio Amazonas.

“Além de todo esse impacto em termos de perda de biodiversidade, de aumento de temperatura, de necessidade de adaptação dessas novas espécies, tem a necessidade de adaptação humana”, alerta Nathália.

Outro problema que pode ser intensificado com a devastação da Amazônia é a redução significativa do volume de chuvas por ano, o que impacta diretamente a vida de quem vive em outros biomas, como o Pantanal.

“A floresta recicla as chuvas que vêm pela atmosfera. Elas caem, a floresta manda de volta para a atmosfera uma quantidade enorme de água. Formam-se novas chuvas, e elas vão cair em outros lugares. Parte dessas chuvas caem dentro da Amazônia de novo, que mantém as florestas resilientes, e uma parte dessa chuva cai, principalmente, no Pantanal”, expõe Bernardo Flores, pesquisador de pós-doutorado no Departamento de Ecologia, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e autor do estudo.

Bernardo elenca o desmatamento e o garimpo ilegais como principais culpados para o avanço da destruição do bioma. Segundo ele, se o comportamento não mudar, cenários como os vistos no ano passado, de seca extrema, serão mais comuns e extremos em épocas de incidência do fenômeno climático El Niño, responsável pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico.

“No lugar que tem mais água no mundo, que é a Amazônia, as pessoas passaram sede. Não imaginava que isso fosse possível na Amazônia, mas aconteceu em diversas partes. Isso foi só uma amostra do que está por vir, e vai ser muito pior”, reforça o pesquisador da UFSC.


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No Amazonas, a seca atingiu 633 mil pessoas, segundo a Defesa Civil. Todos os 62 municípios amazonenses ficaram em estado de emergência por causa da estiagem extrema no ano passado.

Escolas suspenderam as aulas pela dificuldade de acesso às unidades de ensino. Grande parte da população enfrentou barreiras para comprar alimentos básicos e ter acesso a itens de primeira necessidade.

Amazonas deve sofrer durante anos com as consequências da seca extrema

Hora de mudança

O pesquisador Bernardo Flores defende que a hora de controlar o desmatamento, as queimadas e o garimpo ilegal na Amazônia é agora, tanto por parte dos governos municipais e estaduais como da ala federal, em cooperação com outros países.

“Os países que têm territórios amazônicos precisam cooperar para reduzir o desmatamento e a degradação e expandir a restauração, para aumentar a quantidade de florestas o quanto antes para a gente ter menos chance de chegar a esse ponto de não retorno e manter a floresta resiliente”, elenca o pós-doutorando da UFSC.

O professor Pedro Luiz Côrtes, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, aponta que uma das ações para evitar a degradação da Amazônia deve ser a ampliação da fiscalização no bioma e o financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável.

“Você tem o aumento da fiscalização por parte do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], e também o trabalho que a Polícia Federal [PF] vem fazendo de seguir o dinheiro. Nós temos o desmatamento e, quando ele acontece, é feito por grandes grupos, com infraestrutura muito grande”, indica Pedro Côrtes.

Desmatamento zero

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elegeu-se com a promessa de zerar o desmatamento até 2023 e escolheu Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, para coordenar essa ação.

Para cumprir a promessa de campanha do petista, o governo relançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que tem como meta ampliar a área de florestas públicas em até 5 milhões de hectares até 2027.

Raoni Rajão, secretário extraordinário de Controle do Desmatamento, informou ao Metrópoles que o governo tem investido nas atividades de fiscalização e monitoramento do desmatamento ilegal e outras ilicitudes no bioma.

“Foram tomadas uma série de ações emergenciais de retomada da fiscalização na Amazônia, com ações principalmente do Ibama em algumas vertentes principais. A primeira vertente é a questão da retomada de terras indígenas, com a ação na (Terra) Yanomami”, destaca Raoni.

Segundo o secretário do Ministério do Meio Ambiente, o PPCDam reconhece os riscos de degradação da Amazônia e vai trabalhar para evitar que esse processo seja acelerado e evitar a devastação total do bioma. “É um dos pontos importantes para guiar toda a política.”

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